quinta-feira, 27 de março de 2008

À rã esquartejada com um bisturi e à abelha em puzzle

Tenho mesmo de pegar nisto à mão…?
Acabadinha de almoçar, a Alfacinha encontra-se frente a frente com um balde cheio de rãs irreversivelmente adormecidas. Nada de pinças, pobre da rã, ainda a magoo, e com um gesto rápido atira uma vítima para a mesa de operações. Missão: observar o aparelho respiratório da dita.
Começa por lhe abrir a boca. Diga AAA, senhora rã! Puxa-lhe a língua, envolta numa viscosa baba cor-de-rosa. Enfia-lhe uma pipeta pela goela abaixo e enche-lhe os pulmões. O peito da rã incha como um balão. Podia ficar aqui horas a brincar com isto.
Passemos à cirurgia, senhora rã, está com um hálito medonho.

Crutch crutch crutch… A tesoura vai escorregando pela barriga lisa despindo a rã da sua pele, como um vestido. Tiram-se depois os músculos cratch, cratch, cratch… Aí está a impúdica rã, de vísceras à mostra.
Naquela confusão peganhenta de órgãos, sobressai o estômago, enorme bola esbranquiçada, redonda. Vejamos o que há cá dentro…
Com muito cuidadinho, a Alfacinha abre-o e retira de lá os restos da última ceia do anfíbio: uma espécie de pasta filamentosa com umas coisitas mais rijas pelo meio… Estou curiosa! Qual a última guloseima da senhora rã? Junta as peças debaixo de uma lupa e descobre: uma asa, o traseiro de um insecto e… dois grandes olhos amarelos. Não acredito: é uma abelha! Ou… era!
Ficou perplexa a Alfacinha perante a evidência de uma cadeia alimentar.

Deixa-se então aqui uma mensagem de homenagem à abelha que joga às escondidas e à rã, morta em plena digestão.

domingo, 9 de março de 2008

A voté!


sexta-feira, 7 de março de 2008

O Moulin Rouge chegou à Opéra Garnier

Depreeeeeessa!!
Com umas quantas cotoveladas e atropelos, as duas lá se conseguiram infiltrar na fila para os bilhetes de última hora.
E como duas princesas, subiram as escadarias da Opéra Garnier, de bilhete em punho.
- Bonsoir Mesdemoiselles, dernière porte au fond.
De princesas passaram logo a Gatas Borralheiras, quando olharam para os seus jeans e se viram entrar para a plateia…
Incomodaram as senhoras perfumadas e os senhores de fatinho com os seus sacos de écolières cheios de livros, até se instalarem nos seus lugares, incrédulas: segunda fila, atrás do maestro. Perfeito.
O espectáculo começou: The Rake’s Progress, de Stravinski.
E não é que, a páginas tantas, o palco da Opéra Garnier se transformou no palco de um bordel… As duas, que esperavam vestidos de cauda e reflexos de tafetá, viram surgir em cena meninas e meninos semi-nus, numa lingerie cintilante, ligas rendadas, perucas vermelhas e piercings nos mamilos, são mesmo bons os lugares da segunda fila!. Meninas e meninos já pouco vestidos foram-se despindo, enquanto trocavam gestos íntimos… E para alegrar um pouco isto tudo, umas moças enfeitadas de penas e brilhantes dançavam, de peito ao léu, levantando pernas e agitando braços.
Espera, não devo estar a ver bem, ali ao canto estão dois rapazes de fio dental no rabiosque convencidos que conseguem procriar! Mas estava a ver bem sim senhora! O encenador deve ter querido ser moderno e politicamente correcto! Em contrapartida, quem não estava a ver nada eram as suas vizinhas perfumadas, que liam fixamente as legendas lá bem no alto… Ainda ficam com um torcicolo, deviam olhar para a frente, vejam: quanta cor, quanto movimento!
E a cena durou. Nada de espirros, nada de tosses, nada de cadeiras a ranger. A Opéra Garnier gelou em frente a uma gigantesca orgia explícita e provocadora.
Quando as luzes se acenderam, as duas infiltras ainda surpresas estavam mortas de riso, a olhar para a plateia: média de idades nos 70 anos, casacos de peles e bengalas… Até havia um senhor vestido à século XVII: colete, lenço ao pescoço, calças pelos joelhos e collants, cabelo branco aos caracóis apanhado atrás, só faltava falar em verso… O que pensará esta gente toda? As duas bem aguçaram os ouvidos, mas as únicas palavras que ouviram foram «que cantores extraordinários», «a música é magnífica» …
A segunda parte recomeçou, quase ninguém deixara a sala. Depois da tempestade: o sol, tudo voltou aos quadros habituais.
É de crer que todos regressaram a casa tranquilizados com a moral final:
“For idle hands and hearts and minds, the Devil finds a work to do.”
E um grande aplauso encerrou o espectáculo.

Mas fica a dúvida: será que os espectadores sabiam ao que vinham?