segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Alfacinha e o hospital psiquiátrico

Meio ensonada, numa manhã de Dezembro, a Alfacinha foi para o Hospital da Pitié-Salpétrière onde tinha aulas de psiquiatria. 8h40… perdi 20 minutos de sono… mas o que é que me deu para me levantar tão cedo? É uma verdadeira aldeia, aquele hospital. Muitos prédios, uma igreja, ruas com nomes e sentidos proibidos, parques com relva e flores, marcos do correio... Um labirinto, com o lado inquietante de ser um hospital psiquiátrico.
Ao sair do metro, uma vozinha “Mademoiselle! Mademoiselle!”. Uma senhorinha frágil, agarrada a um poste, com um gorro enterrado até aos olhos, escondidos atrás de uns potentes óculos-fundo-de-garrafa. “Mademoiselle, pode-me ajudar a atravessar a rua?” Muito a medo, a senhora deixou o poste para se agarrar ao braço que se lhe estendia. Enterrou os seus dedos, segurou-se com força, olhou em volta e seguiu com a Alfacinha. “Sabe, mademoiselle, eu tenho agorafobia, preciso de ajuda para andar na rua... Tenho consulta no hospital dentro de uma hora. (Afinal há mais adiantado do que eu…) Pode-me deixar ali na esquina, eu peço a outra pessoa para me levar no resto do caminho.”
Ora nem mais: a parte prática das aulas teóricas. Voltaram à memória da Alfacinha as aulas da semana: agorafobia, medo de estar no espaço público pelo medo de não poder ser socorrido se se sentir mal. Agora a Alfacinha podia ver como era realmente a coisa. Um pânico total, uma ansiedade muito grande, uma insegurança sem limites. Mas ao mesmo tempo, uma grande confiança nas pessoas, sem a mínima vergonha do problema.
“Ah não tem problema, eu acompanho-a até onde quiser, estou adiantada.”
E assim foram para a cafetaria, conversando. Desde a morte da mãe, a senhora tinha perdido aos poucos a vontade de sair à rua até se tornar completamente incapaz de pôr um pé no passeio. Tinha-se fechado em casa, com o marido. Era um grande sofrimento para os dois. Agora a terapia ia-a ajudando bastante. Nesse dia, o exercício era apanhar o metro sozinha. Que progressos! Que felicidade na voz da senhora!
Comovente. Duro. Violento para uma hora de bocejos e remelas.
“A cafetaria é ali em cima. Temos de subir estas escadas. Ai que aflição... Podemos ir pelo lado, assim agarro-me também ao corrimão. Sabe, ainda não consigo subir escadas pelo meio…”
E assim subiram, a senhora com o coração nas mãos, a Alfacinha com um formigueiro no braço.
Chegadas lá acima, “Muito obrigada, menina. Aceita um café?” 8h55… “Tenho pena, mas fica para outra vez, tenho aulas agora…”
Despediram-se com um sorriso.
Afinal, valeu a pena levantar-me mais cedo. Este lugar é especial.