quinta-feira, 30 de julho de 2009

O chão da República

Na sua última noite na República, a Alfacinha foi-se deitar acabrunhada e ficou ali matutando nesses dias que lá passara. Seria a última vez que dormia naquela cama com um buraco no meio. A última manhã em que acordava com os galos, com o forró do vizinho, com os carros de publicidades sonora. A última vez que seria tirada violentamente da cama pelo vizinho de quarto, "Oh Mari, levanta daí, já são horas!". A última vez que tomaria duche de água fria na companhia das lagartixas e pequeno almoço na companhia de formigas. Já para não falar na óptima companhia dos camaradas de república...
Acabrunhada e matutante estava ela quando começou a ouvir um ruído estranho. Um ranger que vinha mesmo do pé da sua cama. Oh diabo, mas qu'é isto? E de repente, chlac!, alguma coisa se partiu. A Alfacinha pulou da cama, acendeu a luz... foi então que viu que o chão tinha criado uma cordilheira atravessando o quarto. O azulejo levantara e partira.
Correu bater à porta do vizinho.
- F. o chão do meu quarto levantou e partiu!
- Ah sim... deve ter sido a cerâmica... amanhã vê-se.
Virou-se para o lado e dormiu. Pasmada com tamanha desprezo pelo fenómeno geológico do quarto, a Alfacinha correu acordar outro ocupante da casa.
- S. acorda! O chão do meu quarto levantou! S...? Acorda!!! S.!!!
Mas nada. O sono era profundo demais e nem os abanicos a fizeram acordar.
A Alfacinha encontrou-se então sozinha perante o seu quarto desfigurado, com medo de se deitar, "E se isto continua a abrir e eu vou parar ao andar de baixo, deitadinha na minha cama?". Sentou-se no corredor e ficou ali a contemplar o chão ainda a ranger e a levantar, para ter a certeza que não dormia, que não sonhava.
"Isto é muito irracional, eu não vou parar lá em baixo."
Encheu-se de coragem e foi-se deitar, de luz acesa, não abusemos, assim podia logo ver se se passasse alguma coisa.
No dia seguinte, a Alfacinha teve de contar esta história, para justificar as olheiras e os bocejos regulares. As explicações dadas ao fenómeno foram variadas:
- Foi a Mula Manca. É uma morta que se deita no chão e vem de noite assombrar os quartos.
- Sem sombra de dúvida: Poltergeist.
- Você estava era a sonhar.
- Talvez fosse uma botija, uma herança de alguém, escondida debaixo de terra que surgiu para você ir lá buscar. Você não foi lá espreitar???
- Seria uma raiz de árvore? Mas era um terceiro andar...
- Foi uma diferença de temperatura que agiu de forma a perturbar os materiais, fazendo com que eles se fossem comprimindo, afrontando de maneira oposta, daí...
zzzZZZzzz... eu avisei que estava com sono...

Ainda bem que me fui embora. Era um sinal, com certeza.



terça-feira, 21 de julho de 2009

Fim de semana no Ceará

- Aí gente, ‘ceis ‘tão sabendo que esse final-de-semana tem show lá no Ceará, é o acampamento da juventude. Fica a uns 350km de Natal. É um encontro latino-americano. Partiu?
- Partiu.

Quase sem pestanejar, os cinco decidiram pegar no Renault Clio de serviço e rumar ao Ceará no mesmo dia. Fizeram as malas, arranjaram uma tenda e aqui-vamos-nós-que-já-se-faz-tarde.
Às 20h30 paravam então numa bomba de gasolina para abastecer e verificar a pressão dos pneus. Tudo legal, vamos nessa ó Vanessa, até que… um dos pneus desmaiou. Caraca maluco! Debaixo de uma chuva torrencial, trocou-se de pneu, discutiu-se o futuro, o próximo, entenda-se, e decidiu-se parar no caminho durante a noite, adiando a chegada ao acampamento de um dia.
Na manhã seguinte, más notícias: para além das chuvas torrenciais e do mau estado anunciado da estrada, o pneu não tinha mais reparação.
- Então, agora a gente ‘tá sem pneu sobresselente (ler: sôbrêssssêlentchi)… Partiu?
- Partiu.

E aí foram, apesar do dilúvio, ziguezagueando entre os tão inúmeros quanto consideráveis buracos e camiões. Oloucomeu! Os buracos mais pareciam crateras de meteoritos e eram frequentemente assinalados por marcas de pneus no alcatrão e restos de borracha. Os camiões tinham sempre mensagens na traseira, como “Deus é fiel”, “Deus é o pai” ou “Jesus Cristo Salvador”. Resta saber a quem são dirigidas: se ao motorista do camião para sua protecção, se ao motorista do carro de trás para seu aconchego e tranquilidade.
Passaram por várias aldeias, de nomes exóticos e apetitosos como Canoa Quebrada, Peixe Gordo, Melancias de Cima ou Melancias de Baixo. Sempre casas de tijolo revestidas a azulejo branco, sempre os botecos pintados de amarelo e vermelho cor da cachaça, sempre as barraquinhas a vender fruta, sempre as ruas mais ou menos de geração espontânea. Sempre uma igreja, Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, também casinha de azulejo. Sempre moleques a correr, sempre algum cavalo ou burro na rua, sempre galináceos a cacarejar. Entre as aldeias, paisagens sempre bem verdes, riachos, morros e planícies. Muito maneiro.
Bem coladinhos no carro e cantando alegremente, chegaram enfim sãos e salvos a Icapui, à praia de Tremembé, onde tinha lugar o festival.
Montaram a tenda e seguiram para o concerto. Era Nando Reis que se apresentava. Uma música simpática e dançante. Deu para aquecer dando um pezinho de dança.
Seguiu-se Beto Barbosa, o rei brasileiro da lambada. Supremo do pimba brasuca. Cinco dançarinas em palco de trajes menores agitavam-se em cadência, enquanto o dito Beto na sua roupa justa saltitava apregoando “Adocica meu amor, adocica”. E o público em êxtase, nomeadamente aqui estes cinco que perderam a cabeça perante tamanho sucesso musical. Dançaram desenfreadamente, desencaixando bundas e articulações variadas, tentando imitar as garotas no palco ou acompanhando um eventual par.









Até ao amanhecer. Nada melhor então que uma sesta na praia e uns quantos banhos na água morna…
Acabada a festa, desmontaram a tenda e voltaram a Natal. Tão simples quanto isso.
Foi show de bola.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Lamiré do asfalto natalense


sexta-feira, 10 de julho de 2009

A Alfacinha entre os ratinhos

- Você vai fazer handling com quatro ratos pra mim, tá? É só para eles se habituarem a nós, às nossas mãos, para os podermos tocar sem terem medo. São quatro, você coloca eles no seu colo e os deixa explorando, livremente. 15 minutos pra cada um. Pode ser?
- Sim, chefe!

Antes de pegar no rato, a primeira fase é lavar bem as mãos e esfregá-las com um bocadinho de comida de rato. Ah isto é sem luvas? E se ele se engana, se fico sem dedo?
Em frente ao seu primeiro rato, vestida a rigor, de batinha branca, a Alfacinha respira fundo e tira a tampa da caixa. Reteve logo a respiração, num soluço, mas que rato tão cheiroso… Pousou a caixa nos seus joelhos e arriscou um dedinho no dorso do bicho. Petrificou-se o animal. De repente, armou-se em toupeira e mergulhou para baixo da palha. Percorria a caixa de um lado para o outro, escondido. A Alfacinha olhou com ar aflito para o seu orientador. E agora? Devagarinho, foi afastando a palhinha de cima do bicho, descobrindo-o. Olá ratinho, olha, devemos estar tão aflitos um quanto o outro, que tal um acordo? Eu não te faço mal, tu não me fazes mal e acabamos com isto depressa. Que achas? A única resposta do roedor foi uma recaída no comportamento toupeira. Ah ele é isso? A Alfacinha inclinou a caixa devagarinho para os seus joelhos. Que tal saíres daí pelas tuas próprias patas? Assim evitavas que eu tivesse de pegar em ti pela cauda. Que achas? Nada. Ah ele é isso? Respirou fundo a Alfacinha, levantou o bicho pela cauda, Vês, agora estás praí a estrebuchar no ar…, e pousou-o nos seus joelhos.
Ele levantou a cabeça e pôs-se a cheirar tudo à sua volta. Que calorzinho é este, na minha perna? E que cheiro é este? Quando o bicho começou a andar, ficou no lugar uma pequenina poça amarelada e umas coisinhas castanhas em forma de caroço de azeitona. Estás à vontade, não faças cerimónia…! E de facto, lá andava ele, à vontade.
Passeou-se pelos joelhos da Alfacinha que limitava a área passeável com os braços. Afocinhou as mãos da Alfacinha para tentar ultrapassá-las. Nem penses que vou andar de gatas atrás de ti no laboratório. Apoiou-se nas mãos da Alfacinha com as suas patinhas frias, como se estivesse à janela.
E a exploração continuou, desta vez aventurando-se mais para cima. Onde pensas que vais, a trepar dessa maneira por mim? Vens-me cumprimentar, dar um beijinho? Acho que não será preciso… O ratinho ia-se aproximando, enquanto a Alfacinha esticava o pescoço. Já quase atingindo o queixo da Alfacinha, o rato parou, levantou a cabeça cheirando tudo à sua volta, com os bigodes a dar a dar. Olha que até és querido, tens um ar porreirinho. Você é um gatinho viu? Mas podes descer agora, sim?
Aí foi ele por ali fora. E ou porque estava cheiinho de medo ou porque gostou muita da Alfacinha, enfiou-se pela manga da bata num abrir e fechar de olhos. No meio de um grande ataque de riso, a Alfacinha teve de caçar a cauda do bicho que já ia pelo antebraço fora. Com o alarido, o orientador acordou da sesta e só viu a Alfacinha a rir compulsivamente agarrada ao braço, onde um altinho aos tremeliques se adivinhava. E em vez de uma pessoa só a rir, foram duas. Só que enquanto uma se divertia sentada a olhar para a cena, a outra puxava o invasor até cá fora, a custo, pois ele agarrava-se de todas as forças. Isto começa bem!
Nada arreliado com a situação, o bicho continuou a sua exploração pela Alfacinha, ainda a rir.

Ratinho Long Evans, em todo o seu esplendor. (http://www.pbase.com/nick78/image/56896672)