segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Alfacinha e o hospital psiquiátrico

Meio ensonada, numa manhã de Dezembro, a Alfacinha foi para o Hospital da Pitié-Salpétrière onde tinha aulas de psiquiatria. 8h40… perdi 20 minutos de sono… mas o que é que me deu para me levantar tão cedo? É uma verdadeira aldeia, aquele hospital. Muitos prédios, uma igreja, ruas com nomes e sentidos proibidos, parques com relva e flores, marcos do correio... Um labirinto, com o lado inquietante de ser um hospital psiquiátrico.
Ao sair do metro, uma vozinha “Mademoiselle! Mademoiselle!”. Uma senhorinha frágil, agarrada a um poste, com um gorro enterrado até aos olhos, escondidos atrás de uns potentes óculos-fundo-de-garrafa. “Mademoiselle, pode-me ajudar a atravessar a rua?” Muito a medo, a senhora deixou o poste para se agarrar ao braço que se lhe estendia. Enterrou os seus dedos, segurou-se com força, olhou em volta e seguiu com a Alfacinha. “Sabe, mademoiselle, eu tenho agorafobia, preciso de ajuda para andar na rua... Tenho consulta no hospital dentro de uma hora. (Afinal há mais adiantado do que eu…) Pode-me deixar ali na esquina, eu peço a outra pessoa para me levar no resto do caminho.”
Ora nem mais: a parte prática das aulas teóricas. Voltaram à memória da Alfacinha as aulas da semana: agorafobia, medo de estar no espaço público pelo medo de não poder ser socorrido se se sentir mal. Agora a Alfacinha podia ver como era realmente a coisa. Um pânico total, uma ansiedade muito grande, uma insegurança sem limites. Mas ao mesmo tempo, uma grande confiança nas pessoas, sem a mínima vergonha do problema.
“Ah não tem problema, eu acompanho-a até onde quiser, estou adiantada.”
E assim foram para a cafetaria, conversando. Desde a morte da mãe, a senhora tinha perdido aos poucos a vontade de sair à rua até se tornar completamente incapaz de pôr um pé no passeio. Tinha-se fechado em casa, com o marido. Era um grande sofrimento para os dois. Agora a terapia ia-a ajudando bastante. Nesse dia, o exercício era apanhar o metro sozinha. Que progressos! Que felicidade na voz da senhora!
Comovente. Duro. Violento para uma hora de bocejos e remelas.
“A cafetaria é ali em cima. Temos de subir estas escadas. Ai que aflição... Podemos ir pelo lado, assim agarro-me também ao corrimão. Sabe, ainda não consigo subir escadas pelo meio…”
E assim subiram, a senhora com o coração nas mãos, a Alfacinha com um formigueiro no braço.
Chegadas lá acima, “Muito obrigada, menina. Aceita um café?” 8h55… “Tenho pena, mas fica para outra vez, tenho aulas agora…”
Despediram-se com um sorriso.
Afinal, valeu a pena levantar-me mais cedo. Este lugar é especial.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Lion d'enfer!

Era segunda de manhã e, como em todas as segundas de manhã, a Alfacinha apanhou o autocarro para as aulas. Sempre aquele ar adormecido nas pessoas, o olhar no ar, a cabeça a pensar na almofada… Uma segunda de manhã como outra qualquer.
Até que o autocarro chegou à Praça de Denfert-Rochereau. E aí, alguma coisa chamou a atenção dos passageiros. Alguma coisa perturbava a paisagem habitual da viagem: o leão imponente de Denfert rugia vestidinho de amarelo. O leão berrava agora no centro da praça. Um “Ah!” propagou-se pelo autocarro, como se propaga um bocejo.
Parece que os trabalhadores da Continental se lembraram de colar autocolantes da empresa na estátua. E que efeito! Um raio de luz numa manhã de remelas…


Mais rápidos a chegar do que aqui a fotógrafa, os funcionários da câmara já começavam a depilar o leão...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cinco segundos na Rue Daguerre

Estava a Alfacinha a sair do Monoprix da Rue Daguerre, pára naquela confusão de gente… “Tenho de ir levantar dinheiro…”
E nisto que estica o pescoço à procura de um banco, um sussurro: “Esse mexer no cabelo é sinal que está a pensar…”
Gargalhada da Alfacinha, o senhor já ia ao longe.
Problema: o que dizer dela, então...? Será mesmo...?

Britney Spears

domingo, 27 de setembro de 2009

Alfacinha écolière

Começa um novo ano escolar para a Alfacinha. Mais um Setembro de projectos, de calendários, de olá-eu-sou-a-Mariana-e-tu-como-te-chamas, de professores novos, de salas novas. Mais uma rentrée.

E como em toda a rentrée, há a corrida ao material escolar. Ainda sonha a Alfacinha, ao ver as mochilas do Mickey, os estojos da Minnie; ao ver os cadernos novinhos e bem cheirosos, os dossiers que ainda rangem ao abrir; ao ver os lápis compridos, as canetas florescentes e perfumadas, as borrachas branquinhas. Uma profusão de instrumentos, que tem de ser bem analisada, em função das necessidades que se adivinham.
Este ano preciso de uma trousse onde se possam ver todos os stylos, porque a maîtresse vai muito depressa, e se eu precisar de mudar de stylo a meio da dictée depois não consigo. E preciso de um taille-crayons, que o meu do ano passado é muito grande, depois não cabe na trousse. Preciso de um classeur, com seis intercalaires, e pochettes en plastique. E preciso também de onglets. E também de dois cahiers grand format seyès. E folhas seyès grands carreaux. E será que este ano já posso ter um stylo plume e um effaceur…?
Suspiro.

Agora que vai envelhecendo, ai ai mestranda…, a Alfacinha só se vira para uma categoria de material escolar: as agendas. E já que é a única categoria, leva-a a sério. Torna-se um prazer passear pelas papelarias à procura da mais bonita e mais funcional agenda. Fica horas a folheá-las, a ver as capas, a disposição dos dias na página, as folhas suplementares (mapas, endereços, conversões métricas…), a pesá-las, a estudar as formas e a imaginá-las no bolso da frente do lado direito do seu saco, será que ficas lá bem?
A Alfacinha adora cheirar agendas, passar a mão pelas páginas macias, e sobretudo rasgá-las pelo picotado no cantinho inferior direito quando passa o dia, crrrrash… Assim vai controlando a passagem do tempo, avaliando a proporção de páginas rasgadas e de páginas por rasgar. Adora preencher a capa com a sua mais redondinha letra, escrever o nome, a morada, o e-mail e o grupo sanguíneo…

A Alfacinha encontra-se actualmente no segundo patamar da carreira no que toca a agendas.
Começa-se primeiro com as que têm um dia por página, quando os devoirs são muitos e se preenchem as folhas até ao fim, Pour jeudi: faire les exos 3,4,5 de mathématiques p.35, lire la leçon p.37 et faire signer le carnet de liaison. É a época em que as agendas se enchem de anúncios coloridos de aniversários, de mensagens e desenhos de amigos, de comentários sobre os professores, de grandes letras a anunciar Vacances, de emplois du temps desenhados com carinho.
O segundo patamar é quando as agendas já podem ter vários dias por página, e até já podem ser mais pequeninas. O prazer de rasgar o cantinho da página pelo picotado torna-se então menos frequente, infelizmente. Agora já só se marcam os compromissos especiais: aniversários ainda mas já não coloridos, grandes letras a anunciar Vacances ainda, mas também idas ao médico, idas aos impostos, idas à secretaria, idas ao CROUS, mas também festas, viagens, teatros e cinemas.
O terceiro patamar será quando a agenda deixar de começar em Setembro para começar em Janeiro… Continuarão as Vacances em letras grandes, os aniversários já não coloridos, o médico, os impostos, as festas, as viagens, os teatros e os cinemas. Só que deixará de haver secretarias, CROUS e exames.

Aqui está então a feliz contemplada para o presente ano escolar, fininha, estreitinha, uma semana em duas páginas, feriados nos países da União Europeia, tabela de conversões (medida, área, volume, massa), calendário de 2009, 2010 e 2011 e 20 páginas para apontamentos. Tem também uma fitinha azul que permite marcar uma página. E uma magnífica girafa azul na capa. É linda a minha agenda.


domingo, 13 de setembro de 2009

Caiu a ficha.

Menina amanhã de manhã
Quando a gente acordar
Quero te dizer
Que você é...
É uma mestranda, é
É uma mestranda, é
É uma mestranda...

Na hora ninguém escapa
Durante a chamada, niguém se esconde
O mestrado vai...
Desabar sobre os mestrandos, vai
Desabar sobre os mestrandos, vai
Desabar sobre os mestrandos...

Menina, ele mete medo
Menina, ele fecha a graduação
Menina, não tem saída,
De cima, de banda ou de lado
Menina olhe pra frente
Oh! Menina tome cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção!
De manhã...

Menina a felicidade
É cheia de praça
É cheia de traça
É cheia de lata
É cheia de graça

Menina a felicidade
É cheia de pano
É cheia de peno
É cheia de sino
É cheia de sono

Menina a felicidade
É cheia de ano
É cheia de eno
É cheia de hino
É cheia de ono

Menina a felicidade
É cheia de an
É cheia de en
É cheia de in
É cheia de on
Menina a felicidade
É cheia de a
É cheia de é
É cheia de i
É cheia de ó

Menina amanhã de manhã...


(adaptação da canção Menina amanhã de manhã)
CLICAR AQUI PARA OUVIR A MUSICA, cantada por Mônica Salmaso.
Vale muito muito a pena.

Reconciliação

Depois de uma curta estadia em Lisboa, a Alfacinha volta a Paris. No aeroporto, de um lado uma fila para Paris, do outro uma para Brasília e nos altifalantes última chamada para Natal. Sem grandes escolhas a fazer, a Alfacinha embarca, num reboliço de gente, de problemas técnicos e de excesso de bagagem.

Na chegada a Paris, um céu cinzento, habitual, quase noite às três da tarde. A Alfacinha começa a sentir o bronzeado desaparecer, deixa a sua pele de “negona” para voltar à sua cor de leite parisiense.

Volta a Paris, volta a ver francesinhas de cabelinho curtinho, de caniche nos braços, a impingir as suas teorias às outras pessoas do ônibus, quer dizer do autocarro, do bus. Volta a ver uma grande frequência de olhos azuis, de cabelos louros. Volta a ver sandálias ortopédicas com a sexy meia branca a aparecer no dedão.

Só que a loja que antes era uma ourivesaria agora é uma loja dos 300, e expõe o caixote de lixo dos meus sonhos, com compartimentos de separação! A loja ecológico-natural agora vende roupa ecológico-natural, vai ser a minha perdição, sempre uma pequena desaceleração na marcha para dar uma olhadela na montra… O senhor dos kebabs, esse, continua o mesmo, “Bonjour mademoiselle!”, com um sorriso.

Volta à sua casinha a Alfacinha, com três meses de correio nas mãos e com a dita excessiva bagagem. Logo à entrada, um cheiro diferente, deixado pelos recentes ocupantes da casa, seus amigos. Pertences deixados pela sala, pelo quarto, enquanto estão de férias e não têm alojamento em Paris, estava combinado. De entre esses pertences, vê livros, dossiers, roupa, objectos electrónicos e coisas mais originais como uma radiografia da bacia de um outro colega que por aqui não estava previsto passar. Encontra, caído no chão, um íman, festejando o segundo aniversário de uma menina, com uma fotografia à três quartos, a preto e branco, da dita donzela. E a melhor de todas: quando abre o frigorífico, vê oito garrafas de cerveja e… um frasco de alcaparras.

Para voltar a conquistar o seu espaço sintoniza a TSF Jazz e para retomar o gosto pela vida parisiense, nada melhor do que um passeio ao mercado domingueiro em frente a casa.

Passa na fruta colorida... “Vá-la senhoras e senhores, para rematar, olha o bonito alho francês!”.


Passa no peixe... “Não tire só fotografias aos linguados! Tire também aos vendedores!”.


Passa nos portugueses... e vê uma feliz confraternização de pastéis de Belém, Guaraná e Super Bock.


Passa no padeiro, não pode deixar de salivar ao ver os macarrons... “Bonjour mademoiselle, não quer um pãozinho destes, que tal este de figos e uvas passas, ou este de Emmental?”. E lá cede a Alfacinha.


Passa nos queijos, na choucroute, no talhante e no libanês... e de cada vez respira o perfume.



Passa nas flores…

“Bonjour mademoiselle, olhe as margaridas como estão bonitas!

- Está bem, vou levar um ramo, das brancas.

- Quer que embrulhe para presente?

- Não… não é preciso…

- Ah, está bem… Pois faz muito bem em comprar flores, para ter uma casa linda! E vão-lhe durar dez dias. Olhe, até lhe vou cortar estas folhas, aqui em baixo. Sou simpático, não sou?”


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Where the streets have no name

Natal é um labirinto. E quem se aventurar aqui de carro perde-se. Com certeza. Quem se aventurar nas ruas, que parecem nascidas de geração espontânea, o mais certo é ter de se abeirar e perguntar a um qualquer senhor, desses sentados numa cadeira de jardim à porta de casa a apanhar sol, perguntar a um qualquer senhor: “Cadê a Rua Berilo Wanderley?”. Aí o senhor puxa de toda a sua sabedoria, de todo o seu passado de Potiguar, pois só eles conhecem Natal, não é, e responde: “Olhe amigo…”, e medita… “Olhe amigo, eu penso que é p’ra lá”. E estica penosamente o dedo até ao próximo cruzamento, onde você capta logo outro velho a quem pedir ajuda até ao próximo cruzamento. “Obrigado, amigo!” E segue.
É possível que num destes passeios, quando se pensa perdido num bairro, uma rua seja subitamente interrompida por uma duna. Por uma parede de dunas gigantescas. Simples, o bairro acaba ali. Até a universidade é construída sobre as dunas. Consegue imaginar a sensação de sair das aulas e pisar areia? Consegue imaginar a sensação de entrar numa sala de aula e sacudir a areia das havaianas?

Dunas de Genipabu, a norte de Natal, ao fundo.


É certo que num destes passeios você tenha de se desviar de buracos no chão (se contar com a ajuda de um co-piloto que anuncie “Buraco” e aponte para o mesmo simultaneamente, melhor ainda) ou de desacelerar para passar uma lomba (ao que o co-piloto diria “Lomba”, apontando para a dita). É certo que num destes passeios você arregale a sobrancelha para reflectir sobre o paradoxo de uma cidade cheia de buracos no alcatrão mas cheia de lombas para limitar a velocidade. E se utilizassem o alcatrão das lombas para preencher os buracos? E porque as lombas nunca têm buracos? E para quê limitar a velocidade com lombas se os buracos servem tão bem, até furam os pneus dos mais atrevidos?
É possível que num destes passeios esteja a chover. Aí a tarefa complica-se e põe à prova as capacidades anfíbias do carro. As poças de água tornam-se piscinas, alagando ruas inteiras com vários centímetros de água. É possível que você queira ir almoçar, e nenhum dos acessos ao restaurante esteja transitável. É possível que você esteja dentro de um ônibus e o trajecto tenha de ser desviado de última hora.


Uma poça de água que já não desaparece, nem quando o céu está azul e o ar quente...


Aliás, se você está no ônibus, é porque antes disso já penou para apanhar o ônibus. Há muitos ônibus. Muitas direcções, muitos percursos de ônibus. O princípio da apanhagem de ônibus é: para começar, acertar na paragem de ônibus (que às vezes pode ser um poste de electricidade à beira de uma via rápida, sem nada indicado), olhar para todas as palavras escritas no ônibus (e chegar à conclusão que não se encontra nem o número nem a direcção do ônibus), meter a cabeça no ônibus e perguntar ao motorista do ônibus: “Passa na passarela da Potilândia?”, ao que ele responde: “Oi?”, “Pa-ssa na pa-ssa-re-la de Po-ti-lân-di-a?”, “Não passa não, moça. Só o 33, 44, ou os que vão para Cidade Satélite, Parnamirim. E alguns alternativos, também. Só perguntando”, “Tá, obrigado”. Só no ônibus seguinte é que é possível ter mais sorte. Entretanto já foi confraternizando com as outras pessoas da paragem de ônibus, muito calor, muito trânsito, talvez vá chover hoje de tarde. E quando finalmente consegue entrar, no ônibus, senta-se. Senta-se, ora pois. Aqui os ônibus só têm lugar sentado. E mesmo que esteja tudo ocupado, há sempre um gentil cavalheiro que se levanta para deixar o seu lugar. Para parar, é só puxar uma corda que um apito estridente avisa todo o mundo que alguém quer sair na próxima paragem de ônibus.
Passado o semáforo, que fica sempre depois do cruzamento, aí está a paragem. Aí você sai e anda até ao destino, cabelos no vento natalense. Anda pelas ruas anónimas, pelos passeios em patchwork. Aqui, os donos das casas são responsáveis pelo seu passeio. Numa mesma rua, sucedem-se passeios de azulejo preto, de azulejo branco, de terra, de pedra, de restos de tijolos, de cimento… E assim você anda com as suas havaianas a tentar evitar o desastre de aterrar de bunda no chão (que por vezes acontece aos melhores, não é). Você vai pousando o pé bem devagarziiiinho no chão, ziguezagueando entre os cestos de ferro forjado, onde se deita o lixo, semeados em frente às casas.
E nestes périplos, é muito possível você ver cenas insólitas. Acontece ver um burro a andar sozinho numa via rápida. Acontece você ver um homenzinho de bicicleta em contramão na mesma via rápida. Acontece você ver um homenzinho a empurrar um carrinho com coco verde para vender na praia. Acontece você ver um homenzinho a empurrar um carrinho para vender música que vai tocando (provavelmente: “Você não vale nada mas eu gosto de você…”). Acontece você ver um homenzinho a empurrar um carrinho com bustos de manequins, onde faltam os bikinis que ele acabou de vender na praia. Isto na Vila de Ponta Negra, onde há a maior densidade de cabeleireiros da região (diz que é a reforma das meninas…), onde toda a casa tem janelas abertas, crianças a brincar e forró a tocar bem alto, onde ruas de alcatrão (as das lombas e dos buracos) vão dar a ruas de terra batida (as dos buracos e dos lagos pluviais) que vão dar a campos onde pastam um cavalo e um burro, onde cacarejam galinhas à solta.



Praça do Cruzeiro, praça central da Vila de Ponta Negra, com os orelhões azuis (cabines telefónicas) e um grupo de jovens a dançar capoeira debaixo da árvore (bem difícil de distinguir...).


As casas na Vila de Ponta Negra ainda são pequenas, simples, tijolo pintado, ou não. Mas entre estas casas, começam a crescer prédios enormes. Vão-se tapando a vista uns aos outros. Vão fazendo sombra na praia e abafando a vila. E é assim por Natal fora. São muitos os prédios que cheiram a novo. São muitos os prédios em construção. E são alguns os prédios erguidos mas não terminados, esqueletos de prédios, já escurecidos pelo tempo, sem sombra de um andaime em uso.


Natal. em todo o seu esplendor.

Entre estes prédios, desenvolve-se a área comercial. Grandes armazéns à beira de estradas abrem as portas, sempre com grandes cartazes na fachada a anunciar as características da loja.


De um lado e de outro da Avenida Engenheiro Roberto Freire, uma das avenidas estruturantes da cidade, sucedem-se os armazéns. Sucedem-se os supermercados. Enormes supermercados, todos superlativos, ele é o Nordestão, ele é o Extra… Sucedem-se também os centros comerciais: Praia Shopping, Shopping Potiguar, Shopping Cidade Jardim, Dunas Shopping, Shopping Orla Sul. E se não quiser ir para a Roberto Freire, tem sempre outras opções: o Natal Shopping, o Via Direta, o Norte Shopping, o Midway Mall, o Shop 10… E quase todo o comércio se faz assim, enclausurado, longe da praia, naquela a quem chamam a cidade do sol.
Cidade do sol… Sim, muito sol, muito calor. E isto tudo foi no “inverno”! Tanto sol, tanto calor, que as janelas envidraçadas são facultativas, podem ser apenas um rectângulo numa parede, tapado (ou não) por uma portada em madeira às ripinhas. Tanto arejamento que fica difícil de escapar aos animais e insectos que por aí se passeiam. Sobretudo os mosquitos, que se banqueteiam de noite com uma Alfacinha besuntada de repelente.
Foi assim que durante dez semanas a Alfacinha acordou ainda peganhenta do repelente, com picadas de mosquito apesar do dito. Foi assim que durante dez semanas ela se levantou da cama e abriu a janela já aberta. Que saiu de casa para o Instituto, pela Roberto Freire, sempre a tentar contar os shoppings por que passava e a analisar o andamento das obras nos prédios. De vez em quando cruzava-se no caminho com uma charrette puxada por cavalos e não deixava de sorrir.

Tirada da janela do ônibus, na Avenida Roberto Freire...


Nas ruas mais estreitas, adorava ver senhoras a andar nos passeios irregulares, sobretudo quando de saltos altos. Adorava ir antecipando o caminho do carro ou do ônibus, de forma a fazer um pouco suas estas ruas e esta cidade tão nova e diferente do que conhecia. Quando apanhava o ônibus, o desafio era fazer todo o percurso sem nenhum contratempo, desafio nunca concretizado. E quando andava a pé, o desafio era andar em linha recta o máximo possível, desafio igualmente difícil. E sempre que chegava à rua do Instituto, procurava uma placa indicando o nome da rua. Nunca encontrou.
Where the streets have no name…

Tirada de um 13º andar, do bairro de Capim Macio, numa manhã pós-vampiresca...


Praia de Ponta Negra.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Música no Coração

Na sua estadia em Natal, a Alfacinha não parou de dar ao pé e de cantarolar, ao som de muita música.

Havia as festas em casa, onde as pessoas tocavam e cantavam, não vamos falar disso no passado, está bem? Uma guitarra pelo menos, um pandeiro, um djembé e outros instrumentos mais exóticos dão o ritmo e a cor à música. Todos cantam, todos tocam, todos sorriem e todos se deixam levar. As canções sucedem-se sem intervalos, a guitarra dá três notinhas e toda a turma acompanha. Todos conhecem as letras. Começa-se com Chico Buarque: Construção, Quem te viu quem te vê, A banda, João e Maria… Mais tarde ou mais cedo, alguém: “Agora Fado Tropical, para a portuguesa!”. Depois Cartola sai da cartola, e à medida que a noite vai avançando vêm Los Hermanos… até de madrugada.


Houve também o concerto do grupo Diogo Guanabara e Macaxeira Jazz. Numa sala de espectáculos pequena e acolhedora, o grupo apresentou-se de forma bem alegre, até soltou uma piada de portugueses… Uma guitarra, um baixo, um piano, um bandolim endiabrado e uma bateria, e toca a andar num ritmo animado, impossível de não guardar o sorriso nos lábios. (www.macaxeirajazz.com)


Houve também o Feijão com Rock. Festival domingueiro, todos os meses, perdido numa fazenda ao quilómetro 114 da BR101 (cadê a quilometragem na berma?), com as famílias daqueles que um dia foram motoqueiros jovens. Agora barrigudos, peludos, e com moleques a correr à volta mas ainda de preto vestidos. Ambiente pacato, em torno de uma feijoada que a Alfacinha não hesitou em provar. Até que na última garfada: “Você tem mesmo confiança nessa feijoada?”




Houve também o Chorinho… Ali encaixado num cruzamento no bairro da Ribeira, toda a sexta-feira alguns músicos se reúnem para tocar chorinho. As pessoas vêm, cantam, dançam e bebem. Uma multidão, na verdade, bem apertadinha, com uns focos de fumo branco aqui e ali: são os “espetinhos” a fumegar. Natal inteiro caiu ali, naquela sexta-feira em que os músicos voltaram das férias. Toda a gente se conhecia, toda a gente dava grandes abraços de re-encontro. Todas as fofocas de Natal se desenvolveram naquela noite, pois todos os protagonistas de todas as fofocas estavam todos presentes.

Havia também os acordares musicais na Vila de Ponta Negra. Logo pelas sete da manhã entrava pela janela da Alfacinha um forró bem enérgico. A preferência dos seus vizinhos ia para o novo CD dos Aviões do Forró. Preferência e amor tão grande à música que até acompanhavam cantando. Ao fim de alguns segundos, ding!, a Alfacinha reconhecia os acordes de uma qualquer música estrangeira bem conhecida, agora versão forró, com letras a condizer. “É Aviões… É Aviões do Forró… Volume 3, vamo s’embora!”. Assim, em vez de ouvir a Rhianna falar do seu guarda-chuva, ouve os Aviões dizer: “Você esnobou meu sentimento, depois voltou com seus lamentos… Amo você, eh… Mas se não valorizar vai me perder, eh… Pode ter a certeza…”. Uma pérola, bom para começar bem um bom dia. Existem outros grupos de forró, com nomes sugestivos: Chiclete com banana, Cuscuz com leite, Bikini Cavadão ou Tua mãe é minha boy, mas infelizmente a Alfacinha não teve tempo de os conhecer de forma aprofundada…
Nesta terra todo o mundo canta, todo o mundo toca, todo o mundo dança.
Até o genérico do telejornal tem samba em música de fundo.
Até a música de espera do telefone do laboratório é bossa-nova.
É só alegria.

Anexo a Música no Coração

Aqui está um show dos Aviões do Forró, com o fabuloso tema Vai-me perder. Vale a pena, para quem não enjoa com vídeos amadores, pois para além da grande artista e intérprete, tem uma bonita e eficaz equipa de dançarinas.

http://www.youtube.com/watch?v=3RPbpL0ZTa0

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Na hora da partida, vêm à memória as imagens das chegadas…

Da chegada ao aeroporto de Natal.
No aeroporto, vários aviões militares.
A Alfacinha sai do avião, pernas adormecidas derivado às 7h30 de voo e as primeiras pessoas que vê têm uma máscara na cara anti-gripe-suína.
Na fila para os passaportes, um grande cartaz: Não ao turismo sexual.
Que acolhimento!

Da chegada ao Instituto
Guiada pelo seu orientador, a Alfacinha visita todas as salas do Instituto, onde vai encontrando as pessoas. Aí conhece F., de calções, havaianas nos pés e música nos ouvidos, ciência “Brazilian style”. Depois de ter ido ao biotério dos ratinhos, a Alfacinha continua a visita com o seu orientador. Muito obediente guarda a bata, as luvas e a máscara na cara, como ele. Este leva-a ao escritório onde a apresenta aos outros investigadores, todos homens, diga-se de passagem. Grande gargalhada geral: “Talvez fosse melhor que você tirasse a máscara para a podermos ver”. Olhos para baixo, a Alfacinha descobre as suas bochechas, mais vermelhas do que nunca…

A foto proibida de Natal...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Alfacinha e o Alecrim, agora a paixão

Desde que a Alfacinha conheceu a Feira do Alecrim, nunca mais deixou escapar uma oportunidade de lá ir.

- Alface, vamos comprar componentes electrónicos ao Alecrim?

- Só se for agora. Partiu.

No caminho passam em ruas cheias de stands de automóveis, cujas fachadas são cobertas por dizeres: nome do stand, características do stand, qualidades do stand, preços praticados pelo stand. Tudo num festival de cor, numa confusão de carros e gente de um lado para o outro.

Assim chegam à rua das lojas de electrónica. Enquanto se tratam dos assuntos sérios, dôiz lédjis infravermêlhuss púr fávôr, a Alfacinha senta-se nos degraus da loja e fica a olhar para a rua. Muita gente a passar, sempre os senhores a vender música nos carrinhos musicais, sempre os botecos pintados a amarelo e vermelho, cores da cachaça. Vê passar velhos mancos e pernetas, vê passar velhas de vestidos floridos, vê passar meninos de farda da escola com uma mochila pesada nos ombros, vê passar meninas de farda da escola com o cabelo esticado e muitos penduricalhos nas orelhas, pescoço e punhos. O que é que ela parecerá ali no meio, sem saltos altos, de calças largas, de cabelos espetados, sem maquilhagem, sentada nos degraus de uma loja de electrónica a olhar sorrindo para o movimento da rua…?Será que devia aproveitar para comprar um Babyliss?

Se houver tempo para isso, ainda rola um almoço numa tasca e uma voltinha nas lojinhas de bugiganga. Aí é que a Alfacinha entra em êxtase. Descobre as lojas de "antiguidades", as lojas especializadas em festas para crianças, as lojas especializadas em bombons, as lojas especializadas em lingerie sexy, as lojas especializadas em óculos importados da Tailândia, as lojas especializadas em material de costura, as lojas especializadas simultaneamente em plantas de plástico e quadros da Última Ceia… E sempre a mesma profusão de objectos, aquele ar de caverna-do-Ali-Baba-sem-precisar-do-Abre-te-Sésamo.

É um encanto. Uma delícia.


E agora, as tão esperadas fotografias de bugiganga. E outras coisitas mais.


quinta-feira, 30 de julho de 2009

O chão da República

Na sua última noite na República, a Alfacinha foi-se deitar acabrunhada e ficou ali matutando nesses dias que lá passara. Seria a última vez que dormia naquela cama com um buraco no meio. A última manhã em que acordava com os galos, com o forró do vizinho, com os carros de publicidades sonora. A última vez que seria tirada violentamente da cama pelo vizinho de quarto, "Oh Mari, levanta daí, já são horas!". A última vez que tomaria duche de água fria na companhia das lagartixas e pequeno almoço na companhia de formigas. Já para não falar na óptima companhia dos camaradas de república...
Acabrunhada e matutante estava ela quando começou a ouvir um ruído estranho. Um ranger que vinha mesmo do pé da sua cama. Oh diabo, mas qu'é isto? E de repente, chlac!, alguma coisa se partiu. A Alfacinha pulou da cama, acendeu a luz... foi então que viu que o chão tinha criado uma cordilheira atravessando o quarto. O azulejo levantara e partira.
Correu bater à porta do vizinho.
- F. o chão do meu quarto levantou e partiu!
- Ah sim... deve ter sido a cerâmica... amanhã vê-se.
Virou-se para o lado e dormiu. Pasmada com tamanha desprezo pelo fenómeno geológico do quarto, a Alfacinha correu acordar outro ocupante da casa.
- S. acorda! O chão do meu quarto levantou! S...? Acorda!!! S.!!!
Mas nada. O sono era profundo demais e nem os abanicos a fizeram acordar.
A Alfacinha encontrou-se então sozinha perante o seu quarto desfigurado, com medo de se deitar, "E se isto continua a abrir e eu vou parar ao andar de baixo, deitadinha na minha cama?". Sentou-se no corredor e ficou ali a contemplar o chão ainda a ranger e a levantar, para ter a certeza que não dormia, que não sonhava.
"Isto é muito irracional, eu não vou parar lá em baixo."
Encheu-se de coragem e foi-se deitar, de luz acesa, não abusemos, assim podia logo ver se se passasse alguma coisa.
No dia seguinte, a Alfacinha teve de contar esta história, para justificar as olheiras e os bocejos regulares. As explicações dadas ao fenómeno foram variadas:
- Foi a Mula Manca. É uma morta que se deita no chão e vem de noite assombrar os quartos.
- Sem sombra de dúvida: Poltergeist.
- Você estava era a sonhar.
- Talvez fosse uma botija, uma herança de alguém, escondida debaixo de terra que surgiu para você ir lá buscar. Você não foi lá espreitar???
- Seria uma raiz de árvore? Mas era um terceiro andar...
- Foi uma diferença de temperatura que agiu de forma a perturbar os materiais, fazendo com que eles se fossem comprimindo, afrontando de maneira oposta, daí...
zzzZZZzzz... eu avisei que estava com sono...

Ainda bem que me fui embora. Era um sinal, com certeza.



terça-feira, 21 de julho de 2009

Fim de semana no Ceará

- Aí gente, ‘ceis ‘tão sabendo que esse final-de-semana tem show lá no Ceará, é o acampamento da juventude. Fica a uns 350km de Natal. É um encontro latino-americano. Partiu?
- Partiu.

Quase sem pestanejar, os cinco decidiram pegar no Renault Clio de serviço e rumar ao Ceará no mesmo dia. Fizeram as malas, arranjaram uma tenda e aqui-vamos-nós-que-já-se-faz-tarde.
Às 20h30 paravam então numa bomba de gasolina para abastecer e verificar a pressão dos pneus. Tudo legal, vamos nessa ó Vanessa, até que… um dos pneus desmaiou. Caraca maluco! Debaixo de uma chuva torrencial, trocou-se de pneu, discutiu-se o futuro, o próximo, entenda-se, e decidiu-se parar no caminho durante a noite, adiando a chegada ao acampamento de um dia.
Na manhã seguinte, más notícias: para além das chuvas torrenciais e do mau estado anunciado da estrada, o pneu não tinha mais reparação.
- Então, agora a gente ‘tá sem pneu sobresselente (ler: sôbrêssssêlentchi)… Partiu?
- Partiu.

E aí foram, apesar do dilúvio, ziguezagueando entre os tão inúmeros quanto consideráveis buracos e camiões. Oloucomeu! Os buracos mais pareciam crateras de meteoritos e eram frequentemente assinalados por marcas de pneus no alcatrão e restos de borracha. Os camiões tinham sempre mensagens na traseira, como “Deus é fiel”, “Deus é o pai” ou “Jesus Cristo Salvador”. Resta saber a quem são dirigidas: se ao motorista do camião para sua protecção, se ao motorista do carro de trás para seu aconchego e tranquilidade.
Passaram por várias aldeias, de nomes exóticos e apetitosos como Canoa Quebrada, Peixe Gordo, Melancias de Cima ou Melancias de Baixo. Sempre casas de tijolo revestidas a azulejo branco, sempre os botecos pintados de amarelo e vermelho cor da cachaça, sempre as barraquinhas a vender fruta, sempre as ruas mais ou menos de geração espontânea. Sempre uma igreja, Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, também casinha de azulejo. Sempre moleques a correr, sempre algum cavalo ou burro na rua, sempre galináceos a cacarejar. Entre as aldeias, paisagens sempre bem verdes, riachos, morros e planícies. Muito maneiro.
Bem coladinhos no carro e cantando alegremente, chegaram enfim sãos e salvos a Icapui, à praia de Tremembé, onde tinha lugar o festival.
Montaram a tenda e seguiram para o concerto. Era Nando Reis que se apresentava. Uma música simpática e dançante. Deu para aquecer dando um pezinho de dança.
Seguiu-se Beto Barbosa, o rei brasileiro da lambada. Supremo do pimba brasuca. Cinco dançarinas em palco de trajes menores agitavam-se em cadência, enquanto o dito Beto na sua roupa justa saltitava apregoando “Adocica meu amor, adocica”. E o público em êxtase, nomeadamente aqui estes cinco que perderam a cabeça perante tamanho sucesso musical. Dançaram desenfreadamente, desencaixando bundas e articulações variadas, tentando imitar as garotas no palco ou acompanhando um eventual par.









Até ao amanhecer. Nada melhor então que uma sesta na praia e uns quantos banhos na água morna…
Acabada a festa, desmontaram a tenda e voltaram a Natal. Tão simples quanto isso.
Foi show de bola.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Lamiré do asfalto natalense


sexta-feira, 10 de julho de 2009

A Alfacinha entre os ratinhos

- Você vai fazer handling com quatro ratos pra mim, tá? É só para eles se habituarem a nós, às nossas mãos, para os podermos tocar sem terem medo. São quatro, você coloca eles no seu colo e os deixa explorando, livremente. 15 minutos pra cada um. Pode ser?
- Sim, chefe!

Antes de pegar no rato, a primeira fase é lavar bem as mãos e esfregá-las com um bocadinho de comida de rato. Ah isto é sem luvas? E se ele se engana, se fico sem dedo?
Em frente ao seu primeiro rato, vestida a rigor, de batinha branca, a Alfacinha respira fundo e tira a tampa da caixa. Reteve logo a respiração, num soluço, mas que rato tão cheiroso… Pousou a caixa nos seus joelhos e arriscou um dedinho no dorso do bicho. Petrificou-se o animal. De repente, armou-se em toupeira e mergulhou para baixo da palha. Percorria a caixa de um lado para o outro, escondido. A Alfacinha olhou com ar aflito para o seu orientador. E agora? Devagarinho, foi afastando a palhinha de cima do bicho, descobrindo-o. Olá ratinho, olha, devemos estar tão aflitos um quanto o outro, que tal um acordo? Eu não te faço mal, tu não me fazes mal e acabamos com isto depressa. Que achas? A única resposta do roedor foi uma recaída no comportamento toupeira. Ah ele é isso? A Alfacinha inclinou a caixa devagarinho para os seus joelhos. Que tal saíres daí pelas tuas próprias patas? Assim evitavas que eu tivesse de pegar em ti pela cauda. Que achas? Nada. Ah ele é isso? Respirou fundo a Alfacinha, levantou o bicho pela cauda, Vês, agora estás praí a estrebuchar no ar…, e pousou-o nos seus joelhos.
Ele levantou a cabeça e pôs-se a cheirar tudo à sua volta. Que calorzinho é este, na minha perna? E que cheiro é este? Quando o bicho começou a andar, ficou no lugar uma pequenina poça amarelada e umas coisinhas castanhas em forma de caroço de azeitona. Estás à vontade, não faças cerimónia…! E de facto, lá andava ele, à vontade.
Passeou-se pelos joelhos da Alfacinha que limitava a área passeável com os braços. Afocinhou as mãos da Alfacinha para tentar ultrapassá-las. Nem penses que vou andar de gatas atrás de ti no laboratório. Apoiou-se nas mãos da Alfacinha com as suas patinhas frias, como se estivesse à janela.
E a exploração continuou, desta vez aventurando-se mais para cima. Onde pensas que vais, a trepar dessa maneira por mim? Vens-me cumprimentar, dar um beijinho? Acho que não será preciso… O ratinho ia-se aproximando, enquanto a Alfacinha esticava o pescoço. Já quase atingindo o queixo da Alfacinha, o rato parou, levantou a cabeça cheirando tudo à sua volta, com os bigodes a dar a dar. Olha que até és querido, tens um ar porreirinho. Você é um gatinho viu? Mas podes descer agora, sim?
Aí foi ele por ali fora. E ou porque estava cheiinho de medo ou porque gostou muita da Alfacinha, enfiou-se pela manga da bata num abrir e fechar de olhos. No meio de um grande ataque de riso, a Alfacinha teve de caçar a cauda do bicho que já ia pelo antebraço fora. Com o alarido, o orientador acordou da sesta e só viu a Alfacinha a rir compulsivamente agarrada ao braço, onde um altinho aos tremeliques se adivinhava. E em vez de uma pessoa só a rir, foram duas. Só que enquanto uma se divertia sentada a olhar para a cena, a outra puxava o invasor até cá fora, a custo, pois ele agarrava-se de todas as forças. Isto começa bem!
Nada arreliado com a situação, o bicho continuou a sua exploração pela Alfacinha, ainda a rir.

Ratinho Long Evans, em todo o seu esplendor. (http://www.pbase.com/nick78/image/56896672)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Feira do Alecrim, as imagens sem os cheiros

9h30 da manhã e saiam lampeiras as duas, Neide e a Alfacinha, a caminho da feira do Alecrim.
Chegadas à secção alimentar, uma confusão dos diabos, gente por todo o lado, cotoveladas, chega pra lá que agora passo eu, tás muito enganado eu estava aqui primeiro... Rapazes com carrinhos de mão levando encomendinhas metiam-se na confusão, aos zig-zags entre as pessoas, "Carrinho, olhó carrinho!".

Começa-se com as carnes. Uma paisagem avermelhada, lâminas afiadas a esvoaçar, e um cheiro... um cheirinho... Há de tudo, de todas as carnes, de todas as partes.

Aqui são os frangos:
As carnes vermelhas (conseguem sentir a fragrância?):

A carne de bode:


Passa-se então para as frutas, um alívio olfactivo, um prazer de cor.

Os vendedores apregoam preços e qualidades. Há de tudo, de todas as frutas, das mais exóticas às mais banais, de todos os legumes também.
Batata doce, macaíba, coco e jerimu:
Maracujá, maxixe e milho verde:
Verduras: Feijões:Tudo isto, entre gritos, risadas e forró. Vêem ali o DJ?
E já agora, a fruta laranja é cajá, dá sucos e sorvetes divinos.


Em seguida vêm os peixes. De novo o cheiro, de novo as lâminas, de novo os pregões. E a páginas tantas, até uma discussão entre clientes, uma verdadeira e literal peixeirada!


Caranguejos (vivos e esperneantes ou, melhor dizendo, espateantes):
E ali, bem num cantinho, o café daqui da feira, com comida típica, nomeadamente picado (todas as entranhas e partes viscerais misturadas). A Alfacinha "não teve ocasião de provar". Ficou-se pelos deliciosos e quentinhos pastéis de carne, fritos na hora.

Saindo da zona alimentar, chega-se à zona da bugiganga. Sapatos de plástico, roupa de lycra, bijuteria ornamentada de potentes brilhantes e pedras. Foi difícil à Alfacinha sair comprando apenas uns ganchinhos pretos, sem nada. Mas leve esses com coraçõezinhos, oh que lindos. E esses com estrelinhas, são um amor? Pelo menos esses coloridos, oh que bonitchinhos?
Por ali se passeiam decotes pronunciados, estampados incríveis, feitios que nem se sabe como assentam, de braço dado com machos encervejados, de calções e havaianas, sploc sploc a chinelar. Ali há lojas de roupa de praia, de roupa evangélica e confecções em geral. Lojas de roupa malandra, lojas de roupa interior, lojas de roupa indiana. Há de tudo.
Neide e Alfacinha entraram nalgumas, nas de confecções em geral.
" Oh Mariana! Que você acha dessa blusinha aqui?
- Chique de doer!
- Também acho. Vou levar."
E assim fizeram suas comprinhas, Neide e Alfacinha.