domingo, 16 de dezembro de 2007

Tonio se sent aussi français que portugais

Tôniô Máchádô habitá Paris dechdé vinté ánôch. Vindô párrá gágnárr suá vidá, já tém umá entrréprrisá i séúch filhôch já sáô frráncéséch. Tôniô párrlá múitô dê pôliticá, pôrr issô é évident qué quérr vôtárr nách municipales. Et já féch les démarches párrá tál. Ágôrrá só tem qué convencérr súá femme párrá fázêrr ô mêchmô. Sáô 629 ôch ressortissants dá Union Européenne inchcritôch nách lichtách dô 14º arrondissement.
Et já lá contám á Álfácinhá.
Fôí á mairie dô séú arrondissement, com umá contá dê éléctricidadé, á cártá dê identité et prrontô. Já pódê votarr.
Á ségnôrrá riu-sê muitô com ô nômé dá Álfácinhá et com ô lôcál dé násciméntô. Tévé dê échcrevérr létrá á létrá párrá náô sê enganárr. Á Álfácinhá lá sê vaí hábituándô á suá nôvá identité dê Márriáná Bábô Rrrébélô.
Enfim, apérrtou á máô dá sénhôrrá et vôltô párrá cásá com díréitô dê vôtô.

(À párrtírr dê um ártigô dô Jôrrnál dô 14º arrondissement sôbré ách éléçõench municipales ná Françá. Et áquí áô dessus, Tôniô lui-même.)

sábado, 8 de dezembro de 2007

A Alfacinha vai ao cabeleireiro

Acabada de acordar, olha-se ao espelho a Alfacinha, ai qu’até m’assustei, pois é, na véspera cortara o cabelo.

Atormentada pela infidelidade à sua cabeleireira preferida (tatuada, pierçada, etc.), a Alfacinha decidiu mesmo assim ir cortar o cabelo. Mil desculpas, Cris! Encontrou um estabelecimento para tal efeito perto de casa, novinho em folha, com um ar modernaço: é ali que vou.
E de facto, não só era modernaço como praticava um «novo conceito», hmm novos conceitos, vamos lá ver que história é está… eu só queria mesmo cortar o cabelo, só isso….
Sentaram-na em frente a um espelhinho quadrado e explicaram-lhe o método: tem aqui uma série de palavras e cores, terá de escolher quais a representam melhor; depois, observe as formas de cara propostas e identifique a sua; em seguida, folheie esta revista e diga-nos qual o penteado que prefere. Bom, espero ter decorado tudo!
Começa a virar as páginas do folheto, à procura da palavra que melhor a caracteriza. Fluida? Estruturada? Vamos manter alguma seriedade nisto, Alfacinha, não te rias. Fina? Natural? Sim, é mesmo isso: natural. Estou a ver que isto é sofisticado, vou jogar pelo seguro; se me impingirem colorações eu saio-lhes com esta: ah! natural, lembram-se? Ora cor… Que cor? Porque será que só há tons de cor-de-rosa? Bom, vai este verde, deslavado é certo, mas ao menos não é este cor-de-rosa pindérico.
Próximo passo: forma da cara. Acho que redonda, assim à la bolacha Maria …
Cabeleireiro sofisticado, mas com o bom velho hábito de pôr revistas à disposição. Não resisto. Descobre então que a Britney Spears está a ser pressionada para escrever a sua autobiografia, sem comentários, que o Tom Cruise está a construir um bunker para se proteger de ataques de extraterrestres, que a Nicole Kidman terá feito um enriquecimento mamário (facto demonstrado pela comparação de duas fotografias, o antes e o depois, com círculos e flechas à volta dos ditos órgãos) … Daquelas coisas interessantes e enriquecedoras que se aprendem nos cabeleireiros ou nos consultórios médicos! Está partida de riso a Alfacinha quando chega a menina.
- Então, diga-me qual a sua palavra.
- Natural.
Concentra-se a menina, franze os olhos, olha bem para a Alfacinha, mexe, remexe-lhe o cabelo, põe-se ao nível dos olhos da Alfacinha, do seu lado direito, lado esquerdo, muda de perspectiva…
- Eu diria que a menina tem a cara quadrada, ou rectangular.
Eu!? Quadrada? Rectangular?
Vai então ao folheto…
- Bem, natural corresponde a uma cara triangular, ponta para baixo. Mas não se preocupe, pode se sentir natural mesmo tendo a cara rectangular.

Que alívio, por um segundo receei ter uma personalidade não condicente com a minha cara! Ora, mas que susto.

Visivelmente, a menina ainda não aprendeu de cor as correspondências, senão teria feito uma forcinha para convencer a Alfacinha que a sua cara é triangular…
Deixe estar, com um bocadinho de treino, há de ver que consegue chegar lá.

Ele há com cada uma, de facto… Como é que os cientistas ainda não provaram que a genética da cara determina também a personalidade?
Mas os cabeleireiros sabem. Eles sabem tudo.



(imagem daqui)

domingo, 2 de dezembro de 2007

Como a Alfacinha se "débrouillou" durante as greves

Durou uma semana e meia.
A surpresa deixou de ser surpresa. Só no primeiro dia arregalou os olhos com o mar de gente a cobrir o cais. Se calhar devia deixar de ser preguiçosa, pensar na minha linha, pegar nas minhas perninhas e andar… Mas não, o sono era muito, da primeira vez pode ser, das outras… nem por isso.
Por isso, teve de se adaptar à situação a Alfacinha: mal chegada ao cais, ocupar a linha da frente, esperar o tempo que fosse preciso e mal chegado o metro fazer-se fininha para se conseguir infiltrar na carruagem. Uma vez lá dentro, quase impossível de levantar a mão e coçar o nariz. Se o esmagamento fizesse bem à dita linha, a Alfacinha teria perdido vários centímetros.
Era tanta a lotação das carruagens, que uma vez a ponta do casaco da Alfacinha ficou presa na porta. Era tanta a lotação das carruagens, que uma vez a Alfacinha teve de segurar no seu saco com os braços no ar. Era tanta a lotação das carruagens que a situação se tornava surrealista. Estou colada a pelo menos seis pessoas. E o calor? Literalmente um calor humano… Quantas foram as observações minuciosas que pôde fazer! Esta senhora tem os cabelos espigados, este senhor está cheio de caspa, alguém aqui cheira a naftalina…
E que situação incómoda esta! Guardavam-se pudicamente mãos para não se arriscar toques involuntários e indiscretos, colava-se os pés ao chão para não se perder o lugar…
E que sensação incrível de não precisar de se segurar. Deixar-se balançar com as curvas do metro, sem medo de cair, ser-se amparada por corpos.
E quando se pensava que não cabia nem mais uma agulha na carruagem, pois bem, alguém abre a porta, aperta bem, encolhe a barriga, mais duas ou três pessoas aproveitam, encolhem a barriga, a campainha toca… as portas encravam, as pessoas apertam mais um bocadinho, vá-lá, só mais um bocadinho, e pronto, as portas fecham-se mesmo, uns centímetros a menos de espaço vital para cada um, e lá vai o metro. Oh não, tenho uma tangerina no saco… Espero que não se transforme em sumo…
Houve até quem sugerisse que as pessoas subissem para cima dos bancos! Loucura total quando aperto total.
Na Alfacinha, isto tudo provocava grandes ataques de riso abafados com algum esforço. Mas na maior parte das pessoas, era irritação e nervosismo. Começaram então a aparecer insultos aos condutores de metro nos cartazes publicitários das estações. Automaticamente, apareceram respostas. Um clima já bem tenso, acentuado depois com uma greve da função pública, com a greve dos juízes, e com todos os movimentos estudantis contra uma nova lei sobre o financiamento das universidades.
Vai aqui uma confusão!


terça-feira, 13 de novembro de 2007

Singularidades de uma banana

Às vezes a natureza engana.
Veja-se o caso da banana:
Fruto de fálica feição,
Mas de tão casta constituição.

Vinda da herbácea bananeira,
A banana é filha de mãe solteira:
Seus negros salpicos
São óvulos solitários e pudicos
Que de tanto esperar
A chegada de um par
Se cansaram de acreditar.
Decidiram então de negro se trajar
Para sua morte festejar.
Ficarão para sempre óvulos por fecundar.
De uma gravidez imaginária,
Surgirá então esta fruta lendária.

Da família das Partenocárpicas fazendo parte,
Em seu grego nome reside toda a sua arte:
De Partenos como virgem,
De Carpe como fruta.
E assim se vê bem,
A incomparável batuta
Que a natureza tem.


(Donde se tira que a canção: El único fruto del amor es la banana, es la banana, está errada: pobre fruto tão imaculado, tão distante de tais tormentas terrenas!)

sábado, 10 de novembro de 2007

Quentes e boas

De há uns tempos para cá, um senhor instalou-se à saída do metro, na rua da Alfacinha, a vender castanhas assadas. Pois é, em Paris também as há, quentes e boas, estaladiças e bem cheirosas. Bom, está na hora, é hoje.

- Un sachet de châtaignes, s’il vous plaît.

Que delícia. Aí vai a Alfacinha, sou Alfacinha, não sou?, feliz da vida, com o cone de papel de jornal a queimar as suas mãos. Há quanto tempo não sentia aquele saborzinho! Há quanto tempo não passeava pela rua, descascando castanhas com todo o carinho e cuidado, concentradíssima, nada mais ocupa o seu pensamento, inspirando o fumo que se escapa de entre as rugas da castanha, sempre com um olho no dito cone, não vá uma das outras dar às de Vila Diogo. Pelo caminho, vai deixando um rasto de cascas redondinhas e ainda quentes.

Só faltava o Verão de São Martinho.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Lapso de um jornalista hoje de manhã na rádio

Désormais, Nicolas Sarkozy en a une aussi grosse que François Fillon.
Meio segundo de silêncio…
Une paie, bien sûr …



(Isto a propósito do aumento de 140% do ordenado do senhor presidente.)

domingo, 21 de outubro de 2007

O passeio da Alfacinha com uma couve nos braços

Vou levar umas flores.
Mal chega à florista… uau, é mesmo isto. A um cantinho, escondidos, estão uns vasinhos com couves bem redondinhas, em tons de verde e roxo.
No segundo seguinte, já vai a Alfacinha a caminho do metro, atrasada, de couve em punho. Sábado à noite, não é a única a passear-se com plantas nos braços. Muitos foram os casalinhos que cruzou no caminho a quem deitou um olhar cúmplice, ele com um enorme ramo de flores a tapar-lhe a vista, ela pendurada no braço dele.
Chega ao metro… oh não, estou feita. Ainda os resquícios da greve, metros atrasados e muita gente à espera… Pobre couve, vai ficar em sopa… Tenho de a proteger!
Ao seu lado, uma senhora: vira-se, olha, sorri e finalmente:
- É uma alface que leva aí ou uma couve?
- Ah, é uma couve, mas de facto parece uma alface.
- Que engraçado!
Está fascinada a senhora. O metro chega, a Alfacinha entra com a sua alface, cuidadinho aí minha gente…
Saio na próxima
. Livra-se a Alfacinha por fim do aperto da carruagem e continua o seu trajecto pelos corredores do metro, enquanto observa a couve, a ver se não sofreu danos. E eis que um senhor de chapéu e barbicha na ponta do queixo se aproxima e:
- C’est le cas de dire: «mon choux»!
Gargalhada da Alfacinha, bem observado, sim senhor, só os franceses para usar uma palavra tão romântica como couve para dizer «minha querida!». Orgulhoso do efeito provocado na Alfacinha, o senhor também se ri.
- Je m’en vais au Père Lachaise maintenant, c’est calme.
- Ah oui, ça, il n’y a pas de doute !
E entram no metro que os levará a ela, à festa, a ele, ao cemitério.
Quando chega ao seu destino, o senhor sai, olha para a Alfacinha, sorri e diz:
- Au revoir mon choux!
Nem sabia ele que falava com uma Alfacinha…!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Depois da tempestade, o sol?

7h30 da manhã, sai a Alfacinha de casa, encasacada, de luvas e cachecol para enfrentar os quatro graus centígrados anunciados na rádio. Está mesmo frio! Pelo menos não vai chover.
E começa a sua marcha.

Conduzida pelo itinerário traçado no site da Câmara, o mais curto, o mais rápido, lá vai a Alfacinha, de passo apressado para não congelar, muito atenta ao nome das ruas para não se enganar.
Porque não apanhar um táxi? Totalmente, completamente, categoricamente fora da lógica parisiense. Tal ideia não passaria, e de certeza que não passou, pela cabeça de nenhum jovem. Pernas para andar, pernas para pedalar? Pernas, para que vos quero! Ideia comodista, ideia preguiçosa, ideia pouco ecológica, ideia absurda numa palavra, essa do táxi.

Engraçado, ver a cidade a estas horas. À direita da Alfacinha o céu começa a ficar claro, com o sol a despontar. À esquerda, está tudo escuro, como se de noite.
E muita, muita gente na rua. Muita a pé, mãos nos bolsos, andar rápido e decidido. Muita, muita de bicicleta, aproveitando os corredores de autocarros não utilizados. Muita, muita, muita de carro, em filinha.
A esta hora, a cidade é de um silêncio incrível.
Incrível a sensação do amanhecer na cidade, do acordar da cidade, com o ar fresco a entrar pelo casaco e este silêncio.
Zigzagueando pelas ruas aí vai a Alfacinha, de pingo no nariz, «o choque do ar gelado com o respirar», de dedos imobilizados, sempre de mapa nas mãos para não se enganar.
A esta hora, cheira a pão quente por todo o lado. As padarias enchem os expositores, com baguettes, croissants, pains au chocolat, éclairs e outros doces mais voluptuosos, coloridos, de formas arredondadas, daqueles que fazem água na boca. Se pudesse, entrava em todas as padarias… Estaria mal, nesse caso, a Alfacinha, pois teria de parar a cada esquina.
Assim, passa só em frente às montras, comendo com os olhos, e vendo lá dentro as criancinhas que, antes de ir para a escolinha, tomam o seu pequeno-almoço. Atiram-se esfomeadas e deliciadas a um pain au chocolat, enquanto são arrastadas pelas mamãs, depressa que vai estar atrasado.
É a hora das criancinhas que vão para a escola.
É a hora dos senhores de cabelo grisalho ou mesmo branco, com um ar muito intelectual, de óculos redondos na ponta do nariz. É a hora de eles tomarem os seus pequenos almoços, Petit Déjeuner Continental 12 euros, Petit Déjeuner Gourmand 15 euros, Petit Déjeuner Parisien 10 euros, sentados nas esplanadas dos cafés, segurando com uma convicção e um à vontade de habitués, por cima da perna cruzada, um jornal aberto.

40 minutos de marcha. Às 8h10 chega a Alfacinha à sua sala de aulas, cheia de calor, com o nariz a escorrer, pernas a tremer. Tal como a maior parte dos seus colegas. Uns fizeram 45 minutos de bicicleta, outros 1h30 de marcha, outros ainda uns 30 minutos de scooter… E horas de acordar a condizer. Nem me posso queixar!
Turma incompleta, mas as aulas decorrem normalmente.
Durante o dia, vai-se sabendo a proporção da greve. Transportes? Zero. Restaurante universitário? Fechado. Beaubourg? Fechado também. Correios? Serviço condicionado.
Impossível de passar ao lado desta mobilização, apesar da notícia bomba do divórcio entre o Nico Sarkozy e a Cecília.

18 horas da tarde, fim das observações microscópicas de rochas, regresso a casa, mais 40 minutos de marcha, a cidade a escurecer, à medida que a Alfacinha caminha.
Outra vez os carros, as bicicletas, as pessoas. Outra vez um ar fresco, ar fresco de anoitecer. Outra vez os cafés, as esplanadas, com as senhoras a tomar chá, por baixo daqueles enormes postes aquecedores. Outra vez o perfume das padarias, e as criancinhas a lanchar, com as mamãs ao lado a segurar as mochilas. Outra vez as ruas estreitinhas, desta vez com lojas abertas, mais cafés abertos. A descoberta de um café português, com um imenso mural «Benfica campeão» e várias mesas ocupadas por senhores a jogar às cartas. E quase a chegar a casa, a surpresa de encontrar uma colega do Liceu de Lisboa. A surpresa de não se sentir totalmente desenraizada. Mas também a sensação de afinal não se ser totalmente anónima.

Depois da tempestade, o sol?
Talvez não. Parece que a greve vai continuar. Amanhã, nova marcha matinal.
Mas não faz mal. Foi bem bom.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Prepara-se uma tempestade

Há um ano que a Alfacinha se transplantou para as Franças e ainda quase não tinha tido a oportunidade de assistir às famosas manifestações, greves e outras mobilizações bem características deste povo tão interveniente.
Pois bem, será amanhã.

Há uns dias que não se ouve outra coisa: não sei como vou fazer para vir às aulas na quinta… Combinam-se dormidas em casa de uns e outros, procuram-se soluções de recurso, as bicicletas velib’? impossível de encontrar lugar para as deixar com a afluência…, calculam-se horas de acordar em função de horas de marcha, encolhem-se ombros, tenta-se ser optimista, discute-se a polémica, mas nunca se põe em causa o direito à greve.

O metro vai parar, os autocarros vão parar, os eléctricos, os comboios suburbanos, até o comboio para o aeroporto, até o TGV. Tudo. Só três linhas de metro vão funcionar, a 15%. Todos os sindicatos dos transportes apelaram à greve contra a modificação dos regimes especiais de reforma.

Paris vai estar paralisada.
A França vai estar paralisada.
Mas em grande ebulição.

Bom, terei de contar com os meus pezinhos para ir para as aulas... Espero que não chova! Amanhã: levantar com as galinhas!


segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A primeira experiência de Velib'

- E se fôssemos de bicicleta?
- Daqui até à Bastille? Apanhar a Rue de Rivoli, com aquele trânsito todo, autocarros e carros a apitar, não sei…
Sempre a Alfacinha com os seus receios. Felizmente, estava tudo do seu lado: sentido único na Rue de Rivoli, direcção Châtelet.
- Vamos pelo Marais, então.
Uff…
E lá foram estrear as novas bicicletas Velib’, de costas direitinhas, sorriso na cara, cabelos ao vento, a respirar o ar fresco do fim de uma tarde de outono, todas cliché de parisienses em pasteleiras, com um cestinho pendurado na dianteira, a serpentear pelas ruelas estreitas e alegres do Marais.
E lá foram, espreitando a cada esquina, adivinhando o caminho, sujeitas aos sentidos proibidos e obrigatórios, agora para a esquerda, outra vez para a esquerda, mais uma vez… acho que estamos a andar à roda… Nunca tinha a Alfacinha passeado olhando para semáforos, para sinais de trânsito, prioridade à direita, não é?, para passadeiras do lado perpendicular, ai desculpe senhor peão que o ia atropelando!
E foi quando chegaram à Rue Vieille du Temple que a dificuldade do desafio aumentou em flecha: domingo, tarde de jogo do mundial de rugby com a França, fez com que houvesse uma multidão de gente aglomerada no meio da via. Impossível de dar duas pedaladas seguidas. Ora eram criancinhas a correr de um lado para o outro, ora parezinhos abraçados a andar devagar e às curvinhas, ora grupos de amigos arrumadinhos uns ao lado dos outros, ou simples pessoas a atirarem-se, sem medo, para o meio da rua para atravessar, como eu sempre fiz. Pior que uma gincana. O que é que estou a fazer aqui no meio? Como vou sair daqui? Estamos mal… A Alfacinha bem que tentava continuar, mas tinha de andar tão devagar, de fazer curvas tão apertadas e tão rápidas (e com tão pouco jeitinho) que a expedição se começou a tornar verdadeiramente delicada. Eu que estava com medo dos carros… E onde é a sineta desta coisa? Gaita!
Foi muito a custo que conseguiu sair daquela barafunda, deixar a bicicleta na Bastille e pôr-se de novo em cima dos seus pés.
Tenho as mãos vermelhas de tanta força que fiz a agarrar o manípulo…

Aqui estão elas, em todo o seu esplendor, as novíssimas bicicletas em livre trânsito Velib'.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Rouen, sala de recepções do Lycée Corneille, maratona de leitura de Madame Bovary.

Ao longo do dia, Emma Bovary esteve nas bocas de fiéis e apaixonados leitores. Muitos foram os que perdigotaram para cima do exemplar aberto, ao entoar, com mais ou menos convicção, com mais ou menos teatralidade, a história de tão ilustre senhora. Debaixo de luzes e câmaras em acção e do alto de um majestoso púlpito de madeira, numa tarde solarenga e alegre de sábado.

E ali ao cantinho da sala, conseguem vê-la, bem ali, ao cantinho, toda encolhida e de livro aberto? A Alfacinha, que relê uma última vez o seu trecho. Tenho de tê-lo bem em mente. Respira fundo, devagarinho, controla o coração, vá lá coração, calma, ajeita a blusa, estarei compostinha?, arranja o cabelo, se me cai uma mecha para os olhos estou feita, distraio-me logo. Dá ao pé a Alfacinha. Está em pulgas. Impossível prestar atenção à senhora que lê. A sua hora aproxima-se a passos largos. Será que as letras do livro são suficientemente grandes? Sigo as linhas com o dedo? Se calhar não é preciso, mas e se for…?

De repente a senhora pára. Desce os degraus. Agora sou eu. Empina o nariz a Alfacinha, sobe ao púlpito, tenho os joelhos a tremer, olha para o livro, tudo sob controlo, respira Mary senão estamos mal. Estou pronta, aqui vou eu.

Le garçon de la poste, qui, chaque matin, venait panser la jument…

Está na corrida a Alfacinha. Vai segurando a voz, alto e bom som, e o texto lá vai escorrendo.

Craignant beaucoup de tuer son monde, Charles n’ordonnait guère que des potions calmantes…

Ousa entoações, estarei a corar?, controla emoções, nem acredito que estou aqui, e o texto lá vai escorrendo.

Ce n’est pas que la chirurgie lui fît peur ; il vous saignait les gens largement, comme des chevaux…

E a todo o custo, evita pensar na sala, nas pessoas que a rodeiam, nas câmaras apontadas, nos microfones que transmitem a sua leitura com sotaque pelo liceu inteiro. Cola-se ao livro, não levanto os olhos, não posso, mas devia… arrisca um pouco… não que ainda troco as linhas. O texto escorre e a Alfacinha vai-se divertindo. Diverte-se ao apresentar este pobre Charles…

Il lisait un peu après son dîner ; mais la chaleur de l’appartement, jointe à la digestion, faisait qu’au bout de cinq minutes il s’endormait…

Como eu te percebo Charles! Sorri imperceptivelmente a Alfacinha, toda condescendência e cumplicidade.

Emma le regardait en haussant les épaules…

Pois é, já estás a ver do que a casa gasta!

Elle aurait voulu que ce nom de Bovary, qui était le sien, fût illustre, le voir étalé chez des libraires, répété dans les journaux, connu par toute la France. Mais Charles n’avait point d’ambition !

As três páginas da Alfacinha começam-se a acabar, a meta cor-de-rosa fluorescente no livro aproxima-se…

Charles était quelqu’un, une oreille toujours ouverte, une approbation toujours prête. Elle faisait bien des confidences à sa levrette ! Elle en eût fait aux bûches de la cheminée et au balancier de la pendule.

Acabei. Desce os degraus a Alfacinha. Missão cumprida.
Hasta la vista, Flaubert!

(artigo do jornal Paris-Normandie, sobre o evento, a partir de palavras de uma certa estudante em biologia de Paris...)

sábado, 22 de setembro de 2007

Quando um papel frágil se transforma numa placa rígida

Levou um ano.
Um ano, um papelito aos quadradinhos, mal cortado, umas letras redondinhas, Mlle. Babo Rebelo, colado pela própria a olhómetro na caixa do correio.
Sem mais nem menos, surge no lugar um placa impressa: Mariana Babo Rebelo.
Levou um ano. Mas já está.
É aqui que ela mora, senhor carteiro.

domingo, 16 de setembro de 2007

Adivinha

Qual destes versos corresponde ao estado de espírito dominical da Alfacinha?
(clicar no título para ouvir)

Je ne veux pas travailler

Ma chambre a la forme d'une cage

Le soleil passe son bras par la fenêtre

Les chasseurs à ma porte

Comme des petits soldats

Qui veulent me prendre


{Refrain:}

Je ne veux pas travailler

Je ne veux pas déjeuner

Je veux seulement oublier

Et puis je fume


Déjà j'ai connu le parfum de l'amour

Un million de roses

N'embaumeraient pas autant

Maintenant une seule fleur

Dans mes entourages

Me rend malade


{Refrain}


Je ne suis pas fière de ça

Vie qui veut me tuer

C'est magnifique

Etre sympathique

Mais je ne le connais jamais


{Refrain}


Je ne suis pas fière de ça

Vie qui veut me tuer

C'est magnifique

Etre sympathique

Mais je ne le connais jamais


{Refrain}


terça-feira, 11 de setembro de 2007

Banheira Saint Michel

Mas que cheiro é este?
Aproxima-se farejando a Alfacinha da fontaine Saint-Michel. Para seu grande espanto, a fonte gigante estava transformada em banheira gigante. Um maduro qualquer teve a romântica ideia de despejar um frasco de gel duche, ou dois, ou três, para dentro daquelas águas habitualmente turvas. Um tapete de espuma estendia-se então pela fonte fora, exalando um perfume celeste. Boquiaberta e aparvalhada ficou a Alfacinha! Uau…faz-me lembrar os ursinhos carinhosos! Estava ela em plena evasão nostálgica quando aterra um pedaço daquela nuvem na sua cabeça. Ah ele é isso? Instala-se uma luta de espuma, leve, levíssima, com a elegância e sensualidade de sopros sobre as nuvens bem cheirosas. De um lado, Alfacinha e suas amigas, do outro uns quantos escoceses destrambelhados.
Enquanto isso, a fonte continuava a espumar, como uma banheira.
Enquanto isso, a espuma ia voando com o vento, como neve.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

De seguida apresentamos a sinfonia do mosquito

Pois é, de lírica passou inesperadamente a música.
Obrigada a Charles Podkanski, amigo polaco, lusófono-autodidacta, com óptimas relações com os mosquitos dos lagos do nordeste da Polónia.
Para ouvir a sinfonia, é aqui.


quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Lírica do mosquito trompeteiro

São seis da madrugada


E eu já acordada,


De meu sono tranquilo arrancada,


Por um mosquito cruel azucrinada.


De luz acesa procuro em vão


Do meu sonho inocente encontrar o ladrão.


Oh mosquito!, se soubesses o quanto te detesto


Contra teu voo sonoro protesto,


De teus beijos de vampiro fica-me a sensação


De comichão e vermelhidão.


De mata-moscas à cabeceira,


Olhos e ouvidos de matreira,


Espero por ti, carniceira:


Anda lá, acabemos com a brincadeira.


Mas tu, por onde passas?


Não te dignas a dar um ar de tuas graças?


Por favor a meus olhos dá às asas,


Que de ansiedade assim me matas.


sexta-feira, 20 de julho de 2007

A Alfacinha descisada

- Então é o inferior esquerdo, não é?

- É sim.

Senta-se a Alfacinha muito a medo na cadeira. Esta inclina-se para trás, vou escorregar daqui para fora!, até que aparece ecrã de computador onde surgem fogos de artifício, praias maravilhosas, florestas frondosas, isto deve ser irónico

Começa-se a equipar o carniceiro, luvas, máscara, óculos, e todos os instrumentos de tortura. É hora de fechar os olhos. Abre então a boca a paciente, muito a medo…

- Está nervosa?

Boa piada, amigo!

E lá começa a tortura. Atira-se ao maxilar da Alfacinha, vai com calminha, espeta para lá agulhas fininhas e compridas, isto dói, mas é para não doer depois, isto dói, mas é para não doer depois, isto dói… E de repente, mais nada.

- Sente alguma coisa aqui?

Abana a cabeça a Alfacinha. Hey, qu’é do meu lábio?

Foi a luz verde para o carniceiro voltar a atacar. Vai à carga desta vez com instrumentos de corte, grrr, este barulhinho foi a minha gengiva a… vá, é melhor não pensar nos detalhes sórdidos… Prossegue com instrumentos cuja forma a Alfacinha desconhece, de olhos bem fechados, de olhos bem fechados, mas cuja função imagina, ele está-me a alavancar o dente. Vá, penso noutra coisa. De que cor é a cadeira do dentista?

- Uma compressa, Paula.

Devo-me estar a esvaziar do meu sangue… Ora bem, quantos são 34x48?... Vou antes contar carneiros: 1 carneirinho, 2 carneirinhos… De que cor é a cadeira do dentista?

- Paula, dê-me o 32.

O que será isto agora? Um instrumento de emergência, para quando fazem algum disparate muito grande? Vá, penso noutra coisa…Será que amanhã vai estar sol? De que cor é a cadeira do dentista?

E continua a tortura. Anda de um lado para o outro o dentista, puxa daqui, empurra dali, vou sair daqui toda deformada, acredita que se me esticas mais o lábio, amigo, ele rasga; Corporación Dermoestética, me aguarde! Vá, penso noutra coisa…Que horas serão? Cheira-me que vou fazer uma convalescença de reconciliação com a Floribella. De que cor é a cadeira do dentista?

E de repente, acalma-se. Então, então?

- Fio, Paula.

Olha este agora armado em costureiro…

- Já está.

Abre os olhos a Alfacinha muito a medo. Até consegui fazer remelas, mas não foi de dormir, de certeza… Tenta sorrir, só meio lábio responde. Tenta levantar-se…

- Pode ficar mais um bocadinho!

Tenta dizer obrigada, se calhar é melhor não, ou ainda deixo cair o maxilar.

Por fim, lá se vai embora, passou-bem ao dentista, como é possível gostar-se de um dentista?, e sai da sala de torturas.

Bolas, esqueci-me de ver de que cor era a cadeira!



terça-feira, 10 de julho de 2007

Vol Air France 2124 à destination de Lisbonne :

A princípio eram três.
O Carlos, homem rijo, muito macho, correntezinha ao pescoço, pelo no peito, bíceps resistentes com marca à camionista. Na sua mão direita, entre o polegar e o indicador, trazia uma tatuagem: Cidana. Cidana, o nome da poderosa brasileira quarentona que trazia pelo braço, está visto que foi baptizada antes da descoberta da Sida!, uma leoa tigresa de vestido decotadíssimo, confundindo-se com a sua pele lustrosa, bem coladinho às suas redondas formas de Michelin. A terceira era a mãe do Carlos, Carlinhos. Saiinha branquinha travadinha, joanete a fugir da sandália fina e um pronunciado sotaque nortenho.
A princípio eram três, a lutar pelos dois lugares ao lado da Alfacinha.
- Fomos os primeiros a chegar e aquela sacana não foi capaz de nos pôr juntos.
- Oh Daninha, mas o teu lugar é já aí na fila de trás.
Tão querido, o Carlinhos, não se quer separar da mamã!
- Ah, mas eu queria ficar do seu lado…
Tão querida, a Cidana, não pode ficar duas horas «longe» do seu Carlos!
- … aqui eu não sento, entre dois homens!
Ah, então era isso… potencial assédio sexual a bordo…
- Oh Daninha, mas senta-te…
- Deixe comigo, Carlos, que eu sei o que estou fazendo.
Arregala o olho a Alfacinha, curiosa para ver como a corajosa e determinada senhora pretendia contornar as normas rígidas do avião. Passados uns minutos…
- Não, não deu…
- Oh Soninha, mas quer que vá para o seu lugar?
Visivelmente, a sogra ainda não encaixou o nome da sua vaporosa nora…
- De jeito nenhum! Entre dois homens!
Vira-se curiosa a Alfacinha para ver quem eram as duas ameaças masculinas. À esquerda um jovem, cara vermelha de tanto abafar o riso, e à direita um chinês gorducho que aparentemente não percebia nada do que se estava a passar.
- Daninha, queres que vá eu?
- Não, deixe.
Ora bolas, devia ceder o meu lugar… Mas imediatamente um risinho maléfico vem aos lábios da Alfacinha: não resisto a uma cena doméstica. E esta, promete.
- Poxa, nem tenho espaço para pousar meus braços… eles ocupam tudo…
- Vê, mãe, o que aturo todo o santo dia. Vida a minha!
- Mas oh Soninha, não quer trocar comigo?
- Não, a senhora fique onde está.
- Agora a culpa há-de ser minha, quer ver? Oh Cidana, isto vai durar as duas horas de voo?
Espero que sim! Está a ficar suculento!
A princípio eram três.
Quando o avião começa a andar, aparece um quarto elemento: uma rapariga nova, cabelos longos L’Oréal e andar balançante, filha de Cidana.
- Ela me pôs bem lá no fundo, na última cadeira em frente ao banheiro. Ali eu não sento.
Agora eram quatro, a lutar pelos três lugares em torno da Alfacinha. Foram então experimentando todas as permutações possíveis de 4 elementos nos três lugares. E de tanto permutarem, conseguiram afugentar o jovem vermelho de riso. Nenhum deles ficou no lugar de origem. Mas ao menos Cidana passou a viagem de mão dada com Carlos que ressonava e a filha de Cidana passou a viagem em amena cavaqueira com a mãe do Carlinhos.


Não resisto a dar um cheirinho da aterragem:
Cidana: Oh meu Santo Deus, meu Jesus Cristo, meu Senhor, segura, meu Deus, segura, por favor segura! Perdoa todos os meus pecados e de minha filha, segura meu Deus, segura meu Jesus Cristo, por favor meu Senhor, segura, seguuuuuuuuuuuuu... O avião pousa… uuuuuuuuraO avião trava… segura, meu Deus, segura, meu Jesus Cristo, perdoa todos os meus pecados e de minha filha!!! O avião pára…
Foi Jesus Cristo que nos salvou!

domingo, 8 de julho de 2007

Os sons da casa da Alfacinha

A casinha da Alfacinha dá para uma rua larga, com muito movimento, logo com barulho. Mas há dois elementos perturbadores bem especiais no que toca a decibéis: os bombeiros, ali, oh pra eles, e uma passadeira, plantada bem em frente às janelas da Alfacinha.
Bombeiros implica tinóni, tinóni a horas variadas. Implica travagens a fundo de pacíficos automobilistas quando lá vai a carrinha disparada e às curvinhas pela rua fora.
E a passadeira… sim, qual o problema de ter uma passadeira por baixo da janela? Pois bem, o problema é que as passadeiras nesta terra estão equipadas de um semáforo. E o semáforo está equipado de um botão. E esse botão, desencadeia uma mensagem sonora para os invisuais saberem quando podem atravessar. E para quem estiver a pensar: mas haverá assim tantos cegos na Rue d’Alésia, a Alfacinha responde: obrigada pela deixa, não tens de quê, ora respondo que não, não há uma densidade extra-ordinária de cegos na Rue d’Alésia. Há é bandos de criancinhas histéricas e à solta aos domingos de manhã que adoram carregar no botão. Ficam depois a olhar para o semáforo, com sorrisos desdentados e aparvalhados, com ar de que-poderosa-que-sou. Da primeira vez, estava a Alfacinha em pleno vale de lençóis… Mas que barulho é este? «Rge… ton… Rue d’Alésia» Mas que raio é isto? Empreendeu naquilo a Alfacinha e ficou em vão a tentar adivinhar que frase era essa que a tirara do seu sono e que a impedia de voltar a mergulhar nele. Não percebo. Levantou-se a Alfacinha de mau humor. Acabou por descobrir que a senhora com uma voz irritantemente calma e educada ia repetindo «Rouge piétons, Rue d’Alésia. Rouge, piétons,…» até ser subitamente interrompida por uma campainha. Agora a Alfacinha diverte-se a fazer playback.
Som bem diferente foi aquele que chegou aos seus ouvidos moles e domingueiros, numa tarde em que lutava contra as suas pálpebras para se manter acordada e estudar. Estava então à sua mesa de trabalho quando… Estarei a ouvir coisas? Estarei a dormir ou a ficar louca? No meio de uma rua deserta, de prédios onde se adivinham pessoas pachorrentas a passear-se de chinelos, de lojas fechadas com grades, do silêncio mais molengo, surge uma musiquinha, um ritmozinho alegre e animado. Vai a Alfacinha à janela, à varanda, qual Carochinha. E lá em baixo, dois homenzinhos, agarrados a saxofones, divertidíssimos, a arrastar umas colunas de som num carrinho de supermercado. Lá iam os dois, sorridentes e dançantes, a dar música ao quarteirão. As janelas iam-se abrindo, uma a uma. Uma a uma iam aparecendo pessoas espantadas, que acabavam por dar à pantufa, e abanar as ancas de fininho.

Dentro da sua casinha, a Alfacinha já se habituou a alguns sons característicos: o plim do micro-ondas, o pchhh da água a ferver quando vem por fora, o barulho do autoclismo, dos canos, enfim, barulhos domésticos. A estes, juntam-se os barulhos vindos dos vizinhos. Um telefone a tocar, atendes ou não?, passos de um lado para o outro, cadeiras a arrastar, um aspirador a aspirar, máquinas de lavar louça ou roupa, de certeza que é para me fazer inveja, e, volta e meia, de noite… madeira a ranger, num ritmo regular, grr grr… grr grr… e depois, pára. Bem por cima da sala da Alfacinha. O soalho não perdoa. Nestas alturas, cora a Alfacinha. Timidamente. Pudicamente. Põe música, pensa noutra coisa, assobia para o ar, enquanto o barulhinho vai martelando ao longe.

Agora com licença, a Alfacinha vai andando: estão a tocar à campainha. Talvez seja o meu João Ratão!




Não, o blog não foi esquecido

Pois é, alguns dias de silêncio durante os quais a Alfacinha andou por aí a passear. Começou com a magnífica viagem a Porquerolles, hão de me explicar como vêem «porco» aqui dentro, e depois, para não perder o ritmo, continuou os passeios por Paris, que também é um sítio bonitinho.

Em Porquerolles, «porque» ainda consigo vislumbrar, agora porco, sinceramente…, reencontrou o calor, o sol, o protector solar, a toalha de praia, os chinelitos e o mar, água parada, quente, transparente, cristalina, paradisíaca, em tons de verde e azul, sem piada nenhuma, a bem dizer, sem aquela emoção das enormes vagas, ups!, ondas geladas que cortam a respiração quando tentamos entrar no mar, pé ante pé.

Em Porquerolles, mas «porque-rolles»… e o que fazes do «rolles»?, extasiou-se perante a flora Mediterrânica. Ou muito me engano, ou isto é erva, herbus vulgus, não? A cada dez passinhos, a professora parava, colhia um raminho e…
Regardez! Quelle magnifique carotte sauvage, daucus carota!
Sim, porque depois do sorriso, a professora juntava sempre o nome da erva em latim, para ser mais exacta. Foi assim que a Alfacinha foi aprendendo nomes como salsepareille, barbe de Júpiter, griffes de sorcière, posidonie, lentisque, arbousier, cinéraire, criste, euphorbe, etc, etc. Se a viagem fosse mais comprida, ainda me punha a pastar…

Em Porquerolles, não, francamente, não vejo «porco» aqui dentro, lamento imenso, também se extasiou com pedrinhas, com o encantador e resplandecente mica-schiste. Extasiou-se enfim com a fantástica ilha, que é na verdade um synclinal-qui-a-basculé-vers-le-nord, eh oui, j’m’la pète!

Até parece que gosto de geologia e de botânica…


E chega então a Paris a Alfacinha, bronzeada, com sal no cabelo e areia nos bolsos: chuva, frio. Não, socorro, tirem-me daqui, antes as plantinhas e os calhaus! E no dia a seguir à sua chegada, apanha logo com a Gay Pride no Boulevard Saint Michel, corte profundo com a natureza profunda da qual saía. E desde aí, lá se foi habituando de novo a Paris: cinemas, passeios, danças bretãs, etc. Não custa muito, confesso…

Agora prepara as malas para Lisboa.
Vou ter saudades do cão que ladra quando abro as portadas, do meu feijão com um metro de altura, do meu frigorificozinho, do elevador falante «Cinquième étage!», dos croissants e companhia... mas paciência, tenho encontro marcado com o sol.

Porquerolles

Oh maninho, e dizes tu que aquela era a única fotografia de jeito... Dor de cotovelo, digo eu!

sábado, 23 de junho de 2007

Amanhã...

... a Alfacinha parte com a sua turminha para Porquerolles: ilha francesa na Côte d'Azur, reserva natural, que é como quem diz paraíso. Lá, vão ver florzinhas, calhaus, peixinhos, passarinhos e, espero, o sol.


sábado, 16 de junho de 2007

A Alfacinha e o mel

Com um beijinho para o meu primo-Frederico-o-tripeiro, maior apreciador de mel que conheço.
Numa das suas tardes solitárias de sábado, em que se sente um verdadeiro vegetal, a Alfacinha decide tomar um chá das cinco.
Água a ferver, chávena, bule, pires (sim porque, apesar de não saber pôr pires no plural, a Alfacinha tem pires(es?) em casa) e a saqueta de chá: framboesa com maracujá. Maravilha. Néctar dos deuses. E mal o vapor do chá começa a subir, a Alfacinha evapora-se com ele até aos céus.
Mas chá das cinco não é chá das cinco sem um acompanhamentozinho. Eis que a Alfacinha tem A ideia: tostas com mel. Mal sabia ela que estava prestes a começar uma luta árdua com o seu 'Miel d'oranger d'Espagne'.
Mergulha a colher no frasco, levanta a colher... fugiu. A Alfacinha não desiste. Mergulha a colher, levanta a colher e toca a rodá-la. Uma, duas, três vezes, mas o mel... nem vê-lo. Terceira tentativa. Anda cá meu malandro, desta não me escapas tu. Mudança de táctica: desta vez, a Alfacinha levá-lo-á imediatamente para cima da tosta e dar-se-á ao luxo de o ver deitar-se às curvinhas, devagarinho, por cima. Mas o mel, esse grande rebelde, foi mais rápido e chorou por cima da mesa. Naquele milímetro quadrado que separava o frasco da tosta. Foi precisamente aí. Contra todas as probabilidades. Quê, alguma vez o mel respeita probabilidades? Não, o mel é tão rebelde, tão rebelde que até da tosta consegue escorregar: pelos lados, por cima dos dedos da Alfacinha e por aqueles buraquinhos imperceptíveis da dita tosta. A Alfacinha besunta-se toda, os seus dedos ficam peganhentos, nhanhosos. Mas sabe-lhe tão bem!
Agora, com licença, que o chá está a arrefecer.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Eu sapateio, tu sapateias, a Alfacinha sapateia

Lá dentro, a música pára. Palmas. Um som anuncia novos artistas e uma porta abre-se. O professor, num sussurro nervoso para o grupo: É a vossa vez, vamos lá, divirtam-se. E sobe o grupinho para o palco, às escuras, com passinhos hesitantes, coração nas mãos, mãos trémulas e trémulos joelhos. Estarei bem no meu lugar? Mais para o lado, mais para trás, estou bem aqui. Olho para a frente, sorrio, costas direitas… Este chão está escorregadio, manter a calma… As luzes acendem-se. A música começa, aquela que ouviram quinhentas vezes, até à exaustão, que conhecem de cor e salteado. Chegam as duas badaladas, é agora, c’est parti. Stomp, brush, step, stomp, brush, hill, stomp. Não me vou enganar, não vou cair. Sente-se a Alfacinha embalada pelo ambiente, os seus pés a crepitar em uníssono com os outros 19 pares de pés, numa dança de sons e silêncios. Experimenta um olhar para a sala, Ai tanta gente! Conheço aqueles dois na primeira fila! Sorriso. Step, hill, hill, brush, step, hill, step, hill. Não me posso desconcentrar. Lá continua com o grupo, de travões às quatro rodas para não patinar, aos saltinhos pelo palco fora, a distribuir estalinhos de metal na madeira, a dar aos pés, a dar à sola, no sentido literal, entenda-se! Os dois minutos de emoção estão a chegar ao fim, a música pára, e com ela calam-se os pés. Apaga-se a luz. Já está.




quarta-feira, 6 de junho de 2007

Meu querido frigorífico

Sabes que eu te adoro, não sabes? A tua portinha amarela, o teu metro de altura, os teus ímanes decorativos, o teu hálito fresco… Isto tudo apesar de teres uma prateleira partida e de a tua porta do congelador cair de cada vez que te abro (repara que até veio um cirurgião aplicar-te um parafuso na articulação, mas mesmo assim… fractura profunda. Sinto muito.).
Invocando desta forma a nossa amizade (sei bem que recente, mas mesmo assim estreita e profunda), pergunto: porquê? Porque te esvaziaste tu nestes últimos dias? Porque só me apresentas um frasco de mostarda, três iogurtes e uns raminhos de brócolos? Porquê? Qual a razão de tal silêncio, de tal despojamento? Porque me deixas tu neste jejum angustiante, tendo de me alimentar a sopas de pacote? Onde é que errei? Disse alguma coisa inconveniente? Terei batido a tua porta com demasiada força? Ter-te-ei porventura deixado aberto durante demasiado tempo? Ter-me-ei descuidado na frequência dos teus banhos? Não gostas do champô que te aplico?
Se fiz alguma coisa errada, acredita que não foi com essa intenção. Aqui ficam as minhas desculpas.
Se eu fosse a Floribella invocava as fadinhas dos frigoríficos para intercederem, junto de ti, a meu favor.
Façamos as pazes, frigorífico do meu coração. Pela tua mãezinha. Antes que eu tenha enjoado todas as sopas do supermercado.

domingo, 3 de junho de 2007

A Alfacinha e o reencontro com os Contes de la Rue Broca


Estava a Alfacinha a passar em frente a uma estante de livros em casa dos seus estimados vizinhos, quando vê a lombada branca com letras pretas que marcou a sua infância: «Les contes de la Rue Broca». Fanny, emprestas-mo…? Regressou a casa com o livro entre as mãos, aos tremeliques, como se trouxesse um tesouro. Mas é um tesouro!
Este é o livro responsável pela colecção de bruxas da Alfacinha, que pairam penduradas no seu quarto, ainda pairam, não pairam, mãe? Não voaram para longe? Não me abandonaram, pois não, mãe? Diz-lhes que voo para Lisboa em breve, que também tenho saudades delas e que quando voltar faço-lhes muitos miminhos. Era a Sorcière de la Rue Mouffetard que preenchia o seu imaginário. Sorcière, sorcière, prends garde à ton… Era por causa deste livro que de cada vez que vinha a Paris pedia, muito séria, podemos ir à Rue Mouffetard?
E agora, com a emoção dos seus 10 anos intacta, prepara-se para mergulhar de novo no mundo da bruxa, do casal de meias, da boneca Scoubidou qui sait tout, da batata amiga da guitarra… Estou pronta. Abre o livro, começa a virar as páginas poeirentas, de um livro há muito guardado numa estante, de um livro há muito arrumado nas prateleiras da memória, e com um sorriso começa a ler…
«As crianças compreendem tudo. Se fossem os únicos leitores deste livro, nunca me teria lembrado de escrever este prefácio. Mas desconfio que estes contos serão lidos por pessoas crescidas. Por isso, acho que devo dar algumas explicações.»
Começa bem… Espero não ser já demasiado velha!
E surgiu então a imagem daquele dia em que a Alfacinha foi à biblioteca da Primária, depois de anos e anos sem lá entrar, lembras-te Marta?. Foi uma sensação estranhíssima, desconcertante, quase surrealista, de Querida,-ampliei-os-miúdos: não estava na escala, não se enquadrava no cenário! Não cabia nas cadeiras, as mesas chegavam-lhe aos joelhos, a mezzanine, digna de Romeus e Julietas na altura, dava-lhe agora pelos ombros, tenho de me baixar para poder passar… E o anfiteatro, que parecia gigantesco, um verdadeiro coliseu, afinal não passava de meia dúzia de degraus em meio círculo…
Está qualquer coisa a mexer no armário atrás de mim. Espero que não seja a bruxa! De qualquer maneira tenho as palavras mágicas:
Sorcière, sorcière, prends garde à ton derrière !





sexta-feira, 1 de junho de 2007

Assim o cérebro da Alfacinha

O dito deveria estar assim:




Mas a Alfacinha sente-o assim:



E quase assim:




Mas de tanto empurrar a tampa craneana, o cérebro foi ficando em pudim, assim:






E se o processo continuar vai ficar em puré, assim:





E depois, continua a aquecer, até à explosão final, assim:


domingo, 27 de maio de 2007

A Alfacinha acabou de ver o Titanic na televisão mas…

... dobrado em francês! Que emoção, ouvir o Leonardo DiCaprio aliás Jacques gritar «Je suis le roi du monde!!!!» E para grande espanto, não meteram uma cunha à Céline Dion para cantar a famosa música em francês!
Estas vésperas-de-dias-sem-aulas estão-me a fazer mal… Depois da Eurovisão, o Titanic…



15 segundos de «entalamento» e um deus ex-machina ou deus in-metro

Com mil macacos, estou atrasada.
Aí vai a Alfacinha, num andamento apressado, atravessei no vermelho, paciência, passa a Carte Imagin’R no detector de Cartes Imagine’R, adoro este pliiiiim, e continua a sua marcha nos corredores do metro. Ou me engano muito ou ele está a chegar. Corre a Alfacinha, desce as escadas aos trambolhões, só mais três passinhos e estou lá dentro. Um passo, dois passos, driiiiiing, oh não as portas estão-se a fechar, é agora ou nunca. Atira-se epicamente a Alfacinha para o meio das ditas já em movimento. Ai o meu braço, estou entalada, ainda bem que isto não é uma guilhotina… Com uma força sobrenatural consegue entrar na carruagem, mas o seu saco, esse, fica encravado na porta. Só me faltava mais esta. Agarra-se a ele, puxa, vá lá, anda cá saquinho, não te vou abandonar mas mexe-te se faz favor… O saco, nada. Nicles. Zero. Nem um centímetro. E o metro, imóvel, ali especado à espera que a porta se feche. Isto está bonito! E eis que dois braços grandes, fortes e atléticos aparecem por cima da cabeça da Alfacinha, contraem-se e fazem recuar as malditas portas. Uau, que músculos… A Alfacinha vira-se, sã e salva, e olha para o seu salvador. Ainda por cima é giro! Sai-lhe um grande e sincero merci, enquanto vai corando, ao imaginar a figura que fez…


quarta-feira, 23 de maio de 2007

A espera da Alfacinha

A praça de Saint Michel transforma-se totalmente entre as 7 e as 8: torna-se o ponto de encontro de toda a gente que tem programa para a noite. O mais prático, o mais simples, o mais central. Enche-se então a praça de pessoas solitárias de mãos nos bolsos, com o olhar saltitante, à procura do respectivo, à procura de um lugar onde se encostar para não ficar ali, desconfortavelmente, de pé, tentando não estar no meio da passagem, mas permanecendo visível ao mesmo tempo, tentando escapar aos japoneses fotógrafos que apontam para todo o lado, tentando parecer natural, preparando o clássico «tinha acabado de chegar» para quando aparecer a tão esperada companhia. O melhor é mesmo arranjar um espacinho onde estacionar, contra um poste de iluminação, contra uma parede, ou melhor ainda sentado ao pé da fonte, naquele ângulo estratégico que varia com o vento em que a água do repuxo não é desviada.
E hoje, lá está a Alfacinha, no meio da praça, à espera, de Pariscope nas mãos, acessório que vai folheando para dar um ar de estava-ocupada-não-faz-mal-ter-esperado-este-bocadinho. Dá uns passinhos, pára, olha em volta, troca de perna de apoio, olha em volta, mais uns passinhos, pára. Nada.
Toca o telefone da senhora do lado. A dita atira-se à sua carteira, procura em todos os bolsos o aparelho sem o encontrar, claro, enquanto o olhar percorre as redondezas, na esperança que a chamada coincida com a chegada da sua companhia. Minha senhora: acha que se ele(a) estivesse aqui, a vê-la, lhe estava a telefonar…?
À esquerda da Alfacinha, passos apressados e decididos na sua direcção. Volta a cabeça, preparando já um sorriso, feliz por ser a próxima a ir embora. Mas não, não era para ela. Ora bolas.
Mesmo à sua frente, um senhor anda às voltinhas, mãos nos bolsos, mãos na cintura, todo chique, aposto que tem um encontro romântico, braços cruzados, olhares à roda, suspiros de impaciência, vê as horas. Mãos nos bolsos, mais uma voltinha, espreita para a saída do metro, nada, braços cruzados. Vê as horas. Ainda nada.
Mariana?
Ah, é a minha vez.


domingo, 20 de maio de 2007

Noite dos museus em Versailles

19h16: comboio para Versailles. Vamos a isso. E lá estão as cinco meninas, pocaterra pocaterra, rumo ao Palácio.
Quando chegam ao dito, vêem uma multidão de gente, bem arrumadinha, em filinhas serpenteantes pelo pátio fora. Não vamos ficar aqui, pois não? Não. Decidem então ir para o Lago dos Suíços. Toalhinha aos quadrados, sanduíches, fruta, sumos: pic-nic na relva. Silêncio total, paz. Estes patos estão a pensar confraternizar connosco? Uma dezena de patos começa a aproximar-se, a rodeá-las, isto será uma estratégia de ataque aos nossos mantimentos? Não posso fugir, estou descalça… E foi aí que, mostrando a superioridade do Homem, as cinco meninas enxotaram os tão temíveis Anatídeos, não sem alguns estridentes gritos de guerra. Nós não somos histéricas, apenas queremos proteger aquilo que é nosso... Vitoriosas, prosseguiram o repasto e puseram-se na jogatina. Reis, rainhas e valetes, na toalha aos quadrados, batalhas, vitórias e derrotas com muitos risos no ar. Mas a implacável noite foi caindo, a humidade, e uma ameaça silenciosa: melgas, mosquitos, bicharocos saltitantes verde florescente, formigas aventureiras… E se fôssemos tentar entrar no Palácio…? Uma horita de paciência e às 23h30, subiam orgulhosas as grandes escadarias.
Lá dentro, um fundo de música clássica, e choros de miúdos cheios de sono, acompanhava a visita. Nas paredes de veludo, projectavam imagens, deixa-me cá esticar o pescoço, bicos de pés, não vejo nada…, de reis, rainhas e valetes. Como já era noite avançada, as salas tinham uma luz bem especial, luz da lua, luz amarelada de lustres, dos flashes que disparavam a torto e a direito, e numa janela surgiu um fogo de artifício. No quarto da rainha, exibiam vestidos da época, são mínimos, serão de criança? E na galeria dos espelhos, distribuíam-se máscaras para ver a três dimensões imagens virtuais de um baile, ora com máscara… sem máscara… com máscara… não vejo diferença… E lá foram as meninas, deambulando pelos corredores magníficos, pelas salas majestosas, aos encontrões, aos empurrões, com pisadelas, cotoveladas, pensando no ambiente de época, não sei como era na altura, mas agora tresanda a transpiração, imaginando os frufrus dos vestidos, neste caso dos fatos de treino, dos kispos, dos ténis… E ao sair, esperaram o coche, com cavalinhos e um elegante cocheiro, mas só chegou um Noctilien, autocarro nocturno, com polícia lá dentro e tudo.












sexta-feira, 18 de maio de 2007

A Alfacinha e as condições meteorológicas em Paris.

Há uns tempos atrás, a Alfacinha viu a Primavera: as florzinhas, os passarinhos, o solzinho, o céu azulinho, etc. Porém tudo isto de um olhar embaciado. Os olhos da Alfacinha foram atacados por nuvens de pólenes esvoaçantes e agressivos. A Alfacinha passou uns dias agradáveis, a esfregar os olhos e a espirrar.

Mas o tempo mudou desde então: chuva, frio, estás-te a mostrar, Paris, não é? E não é que hoje, ao abrir as portadas do seu quarto, vê um sol radioso! Voltaste! E veste-se para a ocasião.
Foi hoje precisamente que a Alfacinha apanhou a maior chuvada da sua vida. Estava ela a sair da biblioteca do Beaubourg, eram oito da noite, parou neste ângulo:

e viu começar a cair uma chuva torrencial que de repente tapou aqueles prédios ali à frente. Oh não, não tenho guarda-chuva. A Alfacinha olhou para os seus pés: sandalinhas de tecido. Porreiro. Mas não se deixou abalar e decidiu enfrentar a tempestade. Mal pôs um pé fora do abrigo, a chuva duplicou, mas porque é que isto me acontece sempre??, e uma trovoada amiga iluminou o seu caminho, só me faltava mais esta, raios e coriscos. E então, pernas p’ra que vos quero, a Alfacinha desatou a correr. Foi ficando cada vez mais pesada, as calças a colarem às pernas, a roupa a mudar de cor, o cabelo bem encharcado, e as ditas sandálias… flop flop a cada passo. A Alfacinha chega enfim à estação de metro, regadinha até aos ossos. Aí, diverte-se a meter medo às pessoas que vê sequinhas, vais ver vais, quando saíres, mas não acha piada nenhuma às que vê sacudir o guarda-chuva com ar de «ai-que-maçada». Como é que vocês previram?? Estava céu azul hoje de manhã!!

A Alfacinha teve a certeza: a fúria dos elementos é bem melhor vista de uma janela.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

A Alfacinha ouvindo a Rádio Alfa


Que horas serão? 10h30. Ai que bom. E vira-se para o outro lado a Alfacinha. Hoje é feriado, que é como quem diz: preguiçinha na cama. Se estivesse em Lisboa, ia ver a Praça da Alegria… Que saudades do Jorge Gabriel! Pois é, a Alfacinha sempre adorou ver o desfile de música popular, sobretudo da música pimba, e o passatempo das avós, momento alto da manhã televisiva. Mas aqui, não há Praça da Alegria. Há uns equivalentes franceses, também bem pirosos, mas pirosos à francesa. Sim porque aqui também há cantores muito… como dizer… aqui fica um exemplo:













À esquerda, o inconfundível José Cid. À direita, Gilbert Montagné, cantor francês cego que toca piano e se agita no seu banco, fazendo movimentos de tronco para trás e para a frente. Serão gémeos separados à nascença?
Mas aqueles cantores tão genuínos, de cabelo lambido, perna aberta em calça justa e joelhito a dar a dar, camisa florida deixando aparecer os tão universalmente viris pêlos do peito, e com aquele olhar romântico-trágico para as câmaras… aquele olhar pronto a derrubar, pronto a derreter qualquer fêmea do lado de lá, enquanto vai cantando com alma e coração coisas profundas como «Porque me deixaaaaaaaste????!!!!!»… os verdadeiros, só os conhece em Portugal.
Eureka! Vou ouvir a rádio alfa. «Ouçamos agora a bonita canção «Ai Maria», interpretada por Cristina Branco, que nos foi pedida por…» Maravilha. E lá está a Alfacinha, embalada pelo português, pelo faduncho, pelas guitarradas e variações de voz. Não acredito: publicidade em português! «Aplicamos janelas, portas, azulejos…»
Desde que aterrou na França, em França se faz favor, em França, então, a Alfacinha tornou-se muito mais patriótica. Portugal? É um país fantástico. Está sempre sol, uma temperatura sempre amena, sempre agradável, tem um mar espantoso, as pessoas são muito simpáticas, Lisboa é uma cidade maravilhosa… Sem medir exageros. E desde que o seu coração palpitou quando, em plena Eurovisão, ouviu o apresentador francês dizer «E um ólá á tôdôch óch pórrtuguêsech dê Frránçá!» nunca mais foi a mesma. Uaaaa que emoção! (Sim, de facto, a Alfacinha viu a Eurovisão… «E os nossos 8 pontos vão para…»)
«Passemos à actualidade desportiva: Filipe Teixeira, ao telefone para a Rádio Alfa, falou-nos do seu futuro na Académica…» Mais cedo ou mais tarde tinha de chegar o futebol. «Vamos ouvir agora Flávio Meireles do Vitória de Guimarães…»
Começa então um Fandango Ribatejano. E enquanto readormece a Alfacinha, sonha-se de punhos nas ancas, aos saltinhos…



domingo, 13 de maio de 2007

A Alfacinha entre os Bretões.

É domingo, está sol e há uma festa bretã ao pé de casa. Vamos lá, Fanny?
E lá vão elas.
Já com um maravilhoso crepe de nutella nas mãos (estaladiço, quentinho… ai que bom, faz bem à alma), as duas meninas vão ver o bailarico. Uma gaita-de-foles com a sua estridência e charme naturais dá o ritmo às danças. De braço dado, o círculo de bretões sorridentes ia rodando, rodando… Acaba a música, palmas. E se nos infiltrássemos? Meu dito meu feito. Sem saber um passo de danças bretãs, metem-se na roda. Mal começa a música, um mindinho da Alfacinha é raptado por uma velhinha frenética. Já está, agora toca a andar, vou-me deixar ir. Ora um saltinho para o lado, mais outro, fico no lugar, outra vez… E lá estão as duas na roda, divertidas, de mindinhos no ar, sem conseguir parar de rir. Bolas pisei alguém. Não faz mal, deixa lá que alguém já te pisa para compensar, o que interessa é acompanhar a dança, não largar os mindinhos dos vizinhos, um saltinho, dois saltinhos, um dois três, dois dois três, três dois três e recomeça, um dois três… A roda estica, aperta, encrava com outras rodas, pronto, já fui pisada, mas continua. Bom, já dei cinco voltas à praceta, já sei de cor a música, estou a ficar tonta, hipnotizada, já era tempo de mudar, não? Não. Enquanto o senhor da gaita-de-foles tiver fôlego, a música continua. Entraste, agora aguentas. Vê-se a Alfacinha numa encruzilhada: a dança não pára enquanto a música não parar, a música não pára enquanto o gaiteiro tiver fôlego e por isso quando chega ao fim do refrão… recomeça! Pescadinha de rabo na boca. Gaita, é caso para o dizer! Vá, manter o ritmo, mindinhos firmes, um saltinho, dois saltinhos…
E parou. A velhinha está radiante, as duas pategas também.
Faz bem dar um pezinho de dança de vez em quando.




sábado, 12 de maio de 2007

A Alfacinha descobriu uma vantagem de estar no estrangeiro!

Já posso votar para Portugal na Eurovisão, que sorte a minha...!
Bem, isto quando conseguirem passar à final...

quinta-feira, 10 de maio de 2007

A Alfacinha, a biblioteca e a química orgânica ou A Alfacinha, a biblioteca e um curto-circuito neuronal.


Vai a Alfacinha para a biblioteca, pronta para engolir tudo sobre química orgânica. Instala-se, estojo em frente, garrafa de água à direita, lição à esquerda e rascunho ao centro. Abre o dossier, começa a folhear… Ao princípio ainda vai entrando, reacções de oxido-redução, condensações, acetilações… Um momento, 30 segundos para respirar. Na cabeça da Alfacinha tudo se começa a misturar. Mais 30 segundos, por favor.
À sua direita, um futuro médico, a estudar hematologia. À sua frente… não dá para ver. Alguém escondido atrás de um computador. À sua esquerda, uma futura arquitecta, para quem o silêncio da biblioteca não chega e por isso tapa os ouvidos com umas borrachas cor-de-laranja. A Alfacinha levanta um pouco o olhar e, aí, vê o seu ídolo, já por ela topado em outras ocasiões. Não pode deixar de o observar a Alfacinha. Um verdadeiro dandy. Casaco em abas de grilo, colete de cetim com voluptuosas cornucópias, calças às riscas impecavelmente cortadas, gravatinha de cetim cor-de-rosa carinhosamente enroladinha e presa com uma magnífica pregadeira e botões de punho a condizer. Para além disso, traz desenhado na cara um encaracolado bigode. O toque final. A matar. Com a cabeça romanticamente pousada numa mão, enquanto a outra segura um livro, o herói da Alfacinha vai saboreando umas bolachinhas Petit Écolier. Tão imponente e tão frágil ao mesmo tempo! Na mesa tem pousada a sua esplendorosa bengala, uma maleta Louis Vuitton e uma cartola bege. Eis que se levanta. O coração da Alfacinha dispara. Ela começa a inspirar, a inspirar, a inspirar, passa lá oh amigo!, para testar o perfume. Inebriante. Dele só fica esse volátil rasto, enquanto a sua figura alta se afasta ao longe. Suspiro.
Raios, perdi a minha animação. A Alfacinha encontra-se de novo em tête-à-tête com a química orgânica. Um gole de água e 10 segundos para respirar. Volta a encarar a folha. O hemiacetal continua a olhar para ela com ar de gozo. Ela olha para ele com ar de desespero. Não te compreendo. Como passas para acetal? Fala comigo… Mas ele, nada. Deixa-se ficar, no alto da sua imobilidade, da sua incontestabilidade. Ele é ele, mais ninguém. Ele dá ele, porque sim.
«Nous vous rappelons qu’il est interdit de boire ou de manger à l’intérieur de la bibliothèque.»
Sim senhora, é a quinta vez que mo dizes esta tarde. Não me queres antes ajudar aqui na química orgânica ? A Alfacinha olha para o relógio. Que injustiça: enquanto ela não avançou de uma página, os ponteiros deram quase uma volta inteira. Está bem abelha. Mais um gole de água. Vira a página a Alfacinha. Sabes o que te digo, oh acetal? Batatas. Não gosto de ti.
«Les vols sont fréquents à l’intérieur de la bibliothèque, nous vous recommandons de surveiller vos affaires personnelles et, dans la mesure du possible, de laisser vos sacs devant vous, merci. Pickpockets are operating in the library. Please watch your personal belongings at all time and do not leave your bags on the floor, thank you.»
A senhora também fala inglês. Mas será uma estratégia para assustar os não francófonos? É que traduzir «os roubos são frequentes na biblioteca» por «há carteiristas em acção» não deixa de ser curioso… Só dá vontade de agarrar bem as suas coisinhas, e começar a olhar à volta para descobrir onde andarão eles. Será que este caramelo aqui ao meu lado… será que a história da hematologia não é só para disfarçar…
A Alfacinha procura outras coisas com que se distrair, eu??, inconscientemente, vá. Lá estão elas, as temíveis moléculas. São 21h30, a Alfacinha não jantou, já não tem água na garrafa, tem a cabeça a explodir. Digam-lhe para se ir embora e mandar à fava a química orgânica. Se faz favor.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Ponto final, parágrafo.




Acabou-se o ambiente destas duas últimas semanas. Acabaram-se os panfletos no metro, Sarko? Não obrigada, toca a olhar para outro lado…, acabaram-se as discussões acesas, onde cada um dos lados se agarra com unhas e dentes às suas convicções. Acabaram-se os autocolantes nos degraus da escolinha da Alfacinha, Les jeunes pour Sego, que desapareciam misteriosamente de um dia para o outro. Deixar-se-ão de ouvir a cada esquina as dissilábicas palavras «Sego», «Sarko». Coisa à qual a Alfacinha reage, reagia…, aguçando os ouvidos para saber o que se diz, o que se dizia… Não se falava noutra coisa. Os comentários, as indirectas, as piadas, os trocadilhos, tudo girou em torno de duas pessoas.

Impossível passar ao lado. Impossível não tomar partido. Impossível não se empenhar. Uma cidade dividida ao meio. Duas metades activas, mobilizadas, em confronto em cada café, em cada rua. Por todo o lado amigos discutem, discutiam. De longe vêem-se os gestos, vêem-se as atitudes, o tom de voz. Não há que enganar.
Na turma da Alfacinha, as discussões eram diárias, intensas. Violentas mas argumentadas. A cada dia uma coisa nova. Os jornais circulavam, as opiniões surgiam e com elas os debates.

Duas semanas que ficarão na memória da Alfacinha: um ambiente contagiante, em que cada um se sente cidadão, se sente responsável pela escolha que tem a fazer e por isso expõe as suas ideias, confronta-as, defende-as. Com entusiasmo.


Fim deste movimento. Ponto final, parágrafo.

Espera a Alfacinha o que aí vem.


sábado, 5 de maio de 2007

A Alfacinha não gosta deste senhor.



O senhor desculpe, senhor, mas eu não o aprecio muito. Sabe, senhor, o senhor mete-me medo. Há qualquer coisa no seu olhar que me dá arrepios. Talvez também as suas orelhas, orelhinhas de um Dumbo elfo, talvez isso conte... Talvez ainda por causa daquilo que diz, estou eu agora a pensar. Sim, talvez seja por causa disso também. De facto, quando diz que a delinquência é uma questão genética, convenhamos, eu sou de biologia, não é, por isso compreende que esta questão não deixa de me tocar. Talvez o senhor seja um entendido, mas de facto nunca falámos nas aulas de tais genes… Se calhar também é a sua maneira de falar, senhor, meio irónica, meio desprendida que me irrita… E sabe, há certas coisas que diz que soam a falso na sua boca. E a sua atracção pela polícia, o facto de estar escrito explicitamente no seu programa «desenvolvimento de novas armas, anti mísseis», compreende, eu sou mais peace and love…
Ah e já agora, evite pôr-se à frente de fundos vermelhos como esse. Fica-lhe francamente mal.
Acho que o meu único ponto em comum consigo é mesmo esse sinal por baixo da boca coisa que, tenho de sublinhar, é um puro acaso. Só que o meu é do lado esquerdo, o seu do lado direito.
Lamento, mas não te gramo. Mesmo nada.

Mas o Sarko é um homem honesto...!


sábado, 31 de março de 2007

«Porque é que o Nuno já viu as fotografias e eu não??» (Setembro 2006)

Pois é, Tia Margarida, tem toda a razão. E é por causa desta frase que aqui se abre esta página. (E desculpa lá, Nuno, de te tirar o privilégio!)

Abrir páginas, virar páginas, eis aquilo que significaram estes seis meses para mim. Uma nova vida, totalmente nova que vou conquistando.

Habituar-me a adormecer e acordar numa casinha vazia, pôr dois despertadores com receio de uma falha tecnológica, sair de casa e dar uma, duas voltas à chave, aventurar-me pela rua fora, enrolada em várias camadas de tecidos para evitar hipotermias, a cantarolar (que frio que faz em França, que frio que faz em França…) e ir para Saint-André des Arts todos os dias, todos os dias atravessar o Boulevard Saint-Germain. Fazer meu um bairro. O Bairro, que ainda há um ano era mais sonho, mais utopia, um «não-lugar», lugar impossível, irreal. O Bairro onde passeava com suspiros de inveja, suspiros de «ai-qu’eu-gostava-tanto-de-vir-p’aqui»… O Bairro onde agora estudo, o Bairro de que me vou apropriando, pouco a pouco, sempre com o mesmo encanto. O Bairro que também me vai moldando, ao ponto de às vezes não saber em que língua estou a pensar, ao ponto de dizer coisas esquisitas e inquietantes como «montar escadas»… E ao fim do dia deixá-lo (Como é possível que eu esteja meeeesmo aqui…?), voltar para casa, dar uma, duas voltas à chave (Não está cá ninguém! Ah pois, é normal), entrar e ver que tudo está como deixei, (ninguém cá entra, só eu, é a minha casinha), correr acender os aquecedores, tentar pôr um pouco de vida no espaço, experimentar um som, ver se faz eco, ver se há resposta. Nada, silêncio. Paciência.

E dia após dia vou-me habituando. Dia após dia vou-me convencendo de que me sinto bem, de que gosto de Paris, de que gosto do que faço.

E vejo isso de cada vez que me acontece uma daquelas situações insólitas, de cada vez que me sinto embebida da cidade e que só tenho vontade de sorrir e respirar fundo. São estas coisas que dão um condimento ao dia: um mutilado da Segunda Guerra que me chama de «mon amour», uma filósofa coscuvilheira na lavandaria, uma orquestra de palhaços à beira do Sena, uma fanfarra no Marais, um bolo de chocolate no Luxembourg, horas a ver um malabarista em frente à Notre-Dame, um acordeão numa esquina do metro, um arco íris na minha janela com uma ameaça de neve, andar depressa sozinha no meio do frio e da multidão, ou voltar para casa à noite, sozinha, ouvindo o som dos passos na rua, fazendo nuvens de ar branco ao respirar, com um olho nas janelas onde uma luz deixa ver o interior das casas...

E de semana em semana vou-me fazendo mais dona da minha vida, mais dona do meu tempo, mais dona de mim.

Citando a mãe que me citava a mim, em pequenina: «Como se faz? Fazendo!».

E assim, abro esta página, na qual abro a porta da minha casa. Aqui está uma visita guiada completa, comentada, para responder aos vários pedidos que recebi (e espero que saia melhor que a encomenda!). Claro que uma visita virtual é sempre inferior a uma visita presencial. Chego então à segunda razão de ser desta página: é também um convite a todos os que ainda não vieram cá. Aqui verão certos e determinados ângulos do apartamento. Parecer-vos-á até bastante espaçoso, mas é ilusão: foi com a falta de recuo para muitas fotografias que me dei realmente conta de quão pequeno ele é…! E aos que por cá já passaram, é um re-convite!

Esta página leva uma dedicatória especial para os avós que se interessam profundamente, que se preocupam, apesar de estarem longe. Os avós, que quando me ligam tentam transmitir o máximo de calor, de conforto, de amor, no mínimo de segundos possível: «Então, Mariana, tudo bem, por aí? Muito frio? Um beijinho muito grande!». Sorrio, sinto-me abraçada, aconchegada no «jagalhinho» das mantas da sala dos avós. Os avós, que eu gostava tanto de receber aqui. Infelizmente, parece-me improvável… Avós, é para vós, vejam, perscrutem, sintam-se aqui em casa. Comigo a guiar-vos.

A introdução já vai longa… Agora, é só clicar no mapa alí em baixo e deixar correr!

Quanto a este blog o seu futuro é ainda incerto…

(Tia Isabel: guarde um bocadinho do seu riso ao ver isto para me mostrar quando nos encontrarmos!
Mano Pedro: estou-te a dever um enoooooooorme beijinho pela ajuda técnica)

Ah! Só uma palavrinha aos que, algum dia, deixei pendurados no MSN: desculpas. Esta era a razão…