terça-feira, 25 de setembro de 2007

Rouen, sala de recepções do Lycée Corneille, maratona de leitura de Madame Bovary.

Ao longo do dia, Emma Bovary esteve nas bocas de fiéis e apaixonados leitores. Muitos foram os que perdigotaram para cima do exemplar aberto, ao entoar, com mais ou menos convicção, com mais ou menos teatralidade, a história de tão ilustre senhora. Debaixo de luzes e câmaras em acção e do alto de um majestoso púlpito de madeira, numa tarde solarenga e alegre de sábado.

E ali ao cantinho da sala, conseguem vê-la, bem ali, ao cantinho, toda encolhida e de livro aberto? A Alfacinha, que relê uma última vez o seu trecho. Tenho de tê-lo bem em mente. Respira fundo, devagarinho, controla o coração, vá lá coração, calma, ajeita a blusa, estarei compostinha?, arranja o cabelo, se me cai uma mecha para os olhos estou feita, distraio-me logo. Dá ao pé a Alfacinha. Está em pulgas. Impossível prestar atenção à senhora que lê. A sua hora aproxima-se a passos largos. Será que as letras do livro são suficientemente grandes? Sigo as linhas com o dedo? Se calhar não é preciso, mas e se for…?

De repente a senhora pára. Desce os degraus. Agora sou eu. Empina o nariz a Alfacinha, sobe ao púlpito, tenho os joelhos a tremer, olha para o livro, tudo sob controlo, respira Mary senão estamos mal. Estou pronta, aqui vou eu.

Le garçon de la poste, qui, chaque matin, venait panser la jument…

Está na corrida a Alfacinha. Vai segurando a voz, alto e bom som, e o texto lá vai escorrendo.

Craignant beaucoup de tuer son monde, Charles n’ordonnait guère que des potions calmantes…

Ousa entoações, estarei a corar?, controla emoções, nem acredito que estou aqui, e o texto lá vai escorrendo.

Ce n’est pas que la chirurgie lui fît peur ; il vous saignait les gens largement, comme des chevaux…

E a todo o custo, evita pensar na sala, nas pessoas que a rodeiam, nas câmaras apontadas, nos microfones que transmitem a sua leitura com sotaque pelo liceu inteiro. Cola-se ao livro, não levanto os olhos, não posso, mas devia… arrisca um pouco… não que ainda troco as linhas. O texto escorre e a Alfacinha vai-se divertindo. Diverte-se ao apresentar este pobre Charles…

Il lisait un peu après son dîner ; mais la chaleur de l’appartement, jointe à la digestion, faisait qu’au bout de cinq minutes il s’endormait…

Como eu te percebo Charles! Sorri imperceptivelmente a Alfacinha, toda condescendência e cumplicidade.

Emma le regardait en haussant les épaules…

Pois é, já estás a ver do que a casa gasta!

Elle aurait voulu que ce nom de Bovary, qui était le sien, fût illustre, le voir étalé chez des libraires, répété dans les journaux, connu par toute la France. Mais Charles n’avait point d’ambition !

As três páginas da Alfacinha começam-se a acabar, a meta cor-de-rosa fluorescente no livro aproxima-se…

Charles était quelqu’un, une oreille toujours ouverte, une approbation toujours prête. Elle faisait bien des confidences à sa levrette ! Elle en eût fait aux bûches de la cheminée et au balancier de la pendule.

Acabei. Desce os degraus a Alfacinha. Missão cumprida.
Hasta la vista, Flaubert!

(artigo do jornal Paris-Normandie, sobre o evento, a partir de palavras de uma certa estudante em biologia de Paris...)

sábado, 22 de setembro de 2007

Quando um papel frágil se transforma numa placa rígida

Levou um ano.
Um ano, um papelito aos quadradinhos, mal cortado, umas letras redondinhas, Mlle. Babo Rebelo, colado pela própria a olhómetro na caixa do correio.
Sem mais nem menos, surge no lugar um placa impressa: Mariana Babo Rebelo.
Levou um ano. Mas já está.
É aqui que ela mora, senhor carteiro.

domingo, 16 de setembro de 2007

Adivinha

Qual destes versos corresponde ao estado de espírito dominical da Alfacinha?
(clicar no título para ouvir)

Je ne veux pas travailler

Ma chambre a la forme d'une cage

Le soleil passe son bras par la fenêtre

Les chasseurs à ma porte

Comme des petits soldats

Qui veulent me prendre


{Refrain:}

Je ne veux pas travailler

Je ne veux pas déjeuner

Je veux seulement oublier

Et puis je fume


Déjà j'ai connu le parfum de l'amour

Un million de roses

N'embaumeraient pas autant

Maintenant une seule fleur

Dans mes entourages

Me rend malade


{Refrain}


Je ne suis pas fière de ça

Vie qui veut me tuer

C'est magnifique

Etre sympathique

Mais je ne le connais jamais


{Refrain}


Je ne suis pas fière de ça

Vie qui veut me tuer

C'est magnifique

Etre sympathique

Mais je ne le connais jamais


{Refrain}


terça-feira, 11 de setembro de 2007

Banheira Saint Michel

Mas que cheiro é este?
Aproxima-se farejando a Alfacinha da fontaine Saint-Michel. Para seu grande espanto, a fonte gigante estava transformada em banheira gigante. Um maduro qualquer teve a romântica ideia de despejar um frasco de gel duche, ou dois, ou três, para dentro daquelas águas habitualmente turvas. Um tapete de espuma estendia-se então pela fonte fora, exalando um perfume celeste. Boquiaberta e aparvalhada ficou a Alfacinha! Uau…faz-me lembrar os ursinhos carinhosos! Estava ela em plena evasão nostálgica quando aterra um pedaço daquela nuvem na sua cabeça. Ah ele é isso? Instala-se uma luta de espuma, leve, levíssima, com a elegância e sensualidade de sopros sobre as nuvens bem cheirosas. De um lado, Alfacinha e suas amigas, do outro uns quantos escoceses destrambelhados.
Enquanto isso, a fonte continuava a espumar, como uma banheira.
Enquanto isso, a espuma ia voando com o vento, como neve.