sábado, 10 de maio de 2008

Quatro dias, passa depressa.

Com esta frase acordou a Alfacinha na véspera do começo das provas, depois de uma noite mal dormida, de pesadelos com todas as coisas ingurgitadas em salada russa, quelle est l’enthalpie libre d’un coeur en systole de téléostéen lors d’une réfraction de Taylor-Lagrange dans des conditions idéales de température et de pression, sachant que le phospholambane inhibe le recepteur muscarinique à l’acéthylcholine dans le cycle de Krebs ?.
Ainda estremunhada foi abrir as portadas e ver, uaaaau, que lindo dia lá fora. Eis senão quando, cai-lhe um aranhiço de dimensões nunca vistas no braço ainda quentinho dos lençóis. Sistema ortossimpático em acção, descarga de adrenalina pela glândula supra-renal, reflexo de sobrevivência activado, reacção de fuga: deu um salto e um grito, gritinho. Respiração e ritmo cardíaco acelerados, procura o aracnídeo. No chão do quarto: nada. Na varanda: nada… Senta-se na cama, respira… Mexe no cabelo… Aí estava o artrópode. De novo o ortossimpático, e desta vez fuga pela varanda. Sentiu-se ridícula a Alfacinha, na véspera dos concursos para agronomia e veterinária…

Foram quatro dias de concursos, para fechar estes dois anos de estudo.
Quatro dias a levantar com as galinhas para ir até La Villette onde decorria a prova.
Chegada lá, a Alfacinha instalava-se à sua mesinha, com as suas canetas, fazem-me companhia, canetas?, à espera da distribuição do enunciado. Ela, mais 644 estudantes e umas dezenas de vigilantes.
«Je demande aux candidats de se lever et aux surveillants de distribuer les sujets».
645 pessoas levantavam-se das suas cadeiras, enquanto os enunciados eram pousados nas mesas ao contrário. Silêncio total. 645 pares de olhos a tentar perceber o que está escrito na folha até que…
«Vous pouvez vous asseoir, je déclare l’épreuve commencée.»
645 traseiros a atirarem-se para as cadeiras, 645 enunciados a serem virados impacientemente e percorridos freneticamente. 645 cabeças viradas para o papel, 645 canetas a dar a dar.
Ao fim de três horas e meia…
«Je demande aux candidats de se lever, de poser leurs stylos, je déclare l’épreuve terminée.» Nada mais a fazer senão levantar, reabituar os olhos a ver ao longe, esticar o braço dorido e respirar fundo ao pensar : menos uma.
E foi isto, duas vezes por dia, durante quatro dias.
26 horas de prova e umas 90 páginas escritas.

Há uns anitos, uma ida a La Villette tinha outro balanço para a Alfacinha: quantas manivelas rodou, quantos tubos com água encheu, em quanto tempo fez escorrer a areia… Há uns anitos fazia parte das criancinhas histéricas que corriam de um lado para o outro, com um sorriso na cara. Mal sabia ela na altura, que uns anitos depois seria mais olheiras e desejos assassinos ao ver criancinhas a berrar e a balouçar-se nas portas das casas de banho…
Já não surpresas com as experiências, já não surpresas com os jogos… Surpresas ao ver que 3h30 de dissertação sobre raízes de angiospermas, surpresas ao ver que 3h30 de análise da adaptação cardíaca do piton durante a digestão, surpresas ao percorrer a prova de física e não encontrar a termodinâmica.

Talvez as idas em pequena a La Villette tenham feito com que a Alfacinha se encontre agora frente a frente com problemas de electricidade, química orgânica ou de digestão dos pitons. Veremos o que trarão estas recentes idas a La Villette!




(A sala de prova)