Primeiro, ataca-se a coisa com boa vontade. Vamos a isso. Alinham-se duas palavras, duas ideias, três com sorte, mas não, não sai nada. Não é isto. Apaga-se tudo. Volta-se a tentar. Vêm as mesmas palavras, sempre as mesmas, melgas, as mesmas ideias, coxas. Não, também não é isto. Apaga-se tudo. Assim se pode passar a tempo. E quanto mais tempo passa, mais coisas ficam por dizer. Depois, ataca-se a coisa com mais agressividade. É desta que sai. Começa-se com alíneas: tudo o que é preciso assinalar.
- Que a Alfacinha entrou em Ciências Cognitivas na École Normale Supérieure de Paris.
- Toda a sua felicidade por ter realizado o projecto que a levara a Paris. Evitar lamechices, mas mostrar que lhe vieram as lágrimas aos olhos quando, do fundo do seu futuro casaco, recebeu o telefonema dos seus pais a dizer que o seu nome estava na lista dos admitidos.
- A série de buffets de boas vindas: Collège de France, École Normale… Junto à mesa dos petits-fours, numa mão o copo de champanhe, da outra um gesto ao cabelo de Quem-somos-nós.
- O seu orgulho ao exibir o cartão de estudante para o módico desconto na livraria. É de se perguntar se foi mais pelo desconto, ou pelo cartão.
- Toda a sua emoção quando entra nos locais, quando se move lá dentro sentindo que já começa a ser o seu espaço, quando se entretém nas aulas de filosofia na Salle des Actes a ver os nomes dos que por lá passaram, e cora, e se sente pequenina, tão pequenina.
- A admiração da Alfacinha quando vê em bibliografias os nomes que vê nas portas dos laboratórios.
- O reflexo da Alfacinha de olhar para o rés-do-chão do prédio de biologia quando é noite cá fora, e se vêem todos os laboratórios, todas as pipetas, tubos de ensaio e companhia provocadoramente em exposição.
- Os ataques de riso da Alfacinha quando acaba um mail com Cordialement.
- A vontade da Alfacinha de pôr uma música pimba a tocar numa sala onde dezenas de pessoas trabalham horas a fio num silêncio tumular, sem levantar a cabeça.
- A vontade da Alfacinha de inaugurar com um bom desenho ou um bom slogan filosófico as mesas completamente brancas das salas de aula. Ou simplesmente a clássica pastilha elástica na cadeira, ou no puxador da porta da casa de banho, numa tentativa de tornar o sítio mais parecido com qualquer faculdade.
- A estranha fauna que por lá anda: jovens rapazes que fazem corridas de Rubik Cube de 12 faces no recreio, meninas que se sentam no chão a brincar com papelinhos no meio do ginásio convertido em discoteca, pessoas que leram o Harry Potter em grego antigo, grupos de investigadores que à mesa da cantina têm a seguinte conversa: «Foi com FRET ou com FRAP que fizeste a experiência?», «A da KDEL e Rab5? Foi GFP simples. Estou tão entusiasmado com isto, não durmo há uma semana, o CNRS devia ter uma linha telefónica 24h para os investigadores…»
- Bref: sítio formidável, e etologicamente interessante.
Mas isto são apenas alíneas, ideias dispersas, sentimentos difusos que correm todos os dias na cabeça da Alfacinha. Tentam-se encadeamentos, textos propriamente ditos, mas tudo sai insuficiente, impreciso. Como tornar isto articulado, genuíno? Até à data, solução não encontrada.
A Cour Aux Ernests: bustos a toda a volta, um laguinho com peixes (os ditos Ernests) ao centro.
A Salle des Actes: com placas de mármore a toda a volta onde estão gravados os nomes dos que por cá passaram. Agora que estas já deram a volta à sala, uma nova série de placas de acrílico começa o seu périplo.
2 comentários:
Só vim aqui à procura do teu e-mail; já tinha desistido de procurar novidades neste blog.
Que surpresa! Bem me parecia que andavas a curtir o teu novo estatuto. Que bom que é estares onde querias. É justo e merecido. Desejo-te MUITAS, MUITAS felicidades.
E a pergunta que queria fazer-te, vou fazê-la por e-mail...
Bjos. MM
Já foi só mesmo por distracção.
Já não esperava mesmo nada.
Nem sei porque ainda não tinha apagado este blog (mentira, sei, porque tinha gostado mesmo muito dele).
Carreguei e ... nova entrada.
Nova esperança?
É para valer?
Vai recomeçar?
Um novo ano lectivo?
Com a alfacinha de uma verde mais escurinho?
Fiquei tão feliz!
Coragem para as novidades.
A leitora assídua, Paula Marques
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