Na chegada a Paris, um céu cinzento, habitual, quase noite às três da tarde. A Alfacinha começa a sentir o bronzeado desaparecer, deixa a sua pele de “negona” para voltar à sua cor de leite parisiense.
Volta a Paris, volta a ver francesinhas de cabelinho curtinho, de caniche nos braços, a impingir as suas teorias às outras pessoas do ônibus, quer dizer do autocarro, do bus. Volta a ver uma grande frequência de olhos azuis, de cabelos louros. Volta a ver sandálias ortopédicas com a sexy meia branca a aparecer no dedão.
Só que a loja que antes era uma ourivesaria agora é uma loja dos 300, e expõe o caixote de lixo dos meus sonhos, com compartimentos de separação! A loja ecológico-natural agora vende roupa ecológico-natural, vai ser a minha perdição, sempre uma pequena desaceleração na marcha para dar uma olhadela na montra… O senhor dos kebabs, esse, continua o mesmo, “Bonjour mademoiselle!”, com um sorriso.
Volta à sua casinha a Alfacinha, com três meses de correio nas mãos e com a dita excessiva bagagem. Logo à entrada, um cheiro diferente, deixado pelos recentes ocupantes da casa, seus amigos. Pertences deixados pela sala, pelo quarto, enquanto estão de férias e não têm alojamento em Paris, estava combinado. De entre esses pertences, vê livros, dossiers, roupa, objectos electrónicos e coisas mais originais como uma radiografia da bacia de um outro colega que por aqui não estava previsto passar. Encontra, caído no chão, um íman, festejando o segundo aniversário de uma menina, com uma fotografia à três quartos, a preto e branco, da dita donzela. E a melhor de todas: quando abre o frigorífico, vê oito garrafas de cerveja e… um frasco de alcaparras.
Para voltar a conquistar o seu espaço sintoniza a TSF Jazz e para retomar o gosto pela vida parisiense, nada melhor do que um passeio ao mercado domingueiro em frente a casa.
Passa na fruta colorida... “Vá-la senhoras e senhores, para rematar, olha o bonito alho francês!”.
Passa no peixe... “Não tire só fotografias aos linguados! Tire também aos vendedores!”.
Passa nos portugueses... e vê uma feliz confraternização de pastéis de Belém, Guaraná e Super Bock.
Passa no padeiro, não pode deixar de salivar ao ver os macarrons... “Bonjour mademoiselle, não quer um pãozinho destes, que tal este de figos e uvas passas, ou este de Emmental?”. E lá cede a Alfacinha.
Passa nos queijos, na choucroute, no talhante e no libanês... e de cada vez respira o perfume.
Passa nas flores…
“Bonjour mademoiselle, olhe as margaridas como estão bonitas!
- Está bem, vou levar um ramo, das brancas.
- Quer que embrulhe para presente?
- Não… não é preciso…
- Ah, está bem… Pois faz muito bem em comprar flores, para ter uma casa linda! E vão-lhe durar dez dias. Olhe, até lhe vou cortar estas folhas, aqui em baixo. Sou simpático, não sou?”
4 comentários:
Não há como um ramo de flores para nos reconciliar com a casa e até com a vida.
E em Paris há sempre o tempo que dura na boca um éclair au café para nos sentirmos de bem com o mundo!
Depois me dirás...
Mab
Boa escolha: margaridas! É a minha escolha frequentemente no mercado de almoçageme. Porque será?
Boa rentrée (que outra coisa poderia dizer?).
Beijos
MM
PS Já fizeste o exercicio de comparar estas fotografias do "mercado" com as do mercado no Natal?
Reconciliação. A palavra foi muito bem escolhida. Mesmo adorando viver na minha cidade, é tão difícil vir do calor para o frio. Da liberdade para as obrigações. Da luz para a escuridão. Do carinho para a indiferença! Terei de fazer um trabalho de reconciliação, quando conseguir esquecer o que deixei para trás.
Ah - as éprouvettes em acção! E o Hendrik dizia que era um presente esquisito. Esquisito é ele!
Reconciliação fixe, Brasil bem absorvido - Boa Mary!!!
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