domingo, 8 de julho de 2007

Os sons da casa da Alfacinha

A casinha da Alfacinha dá para uma rua larga, com muito movimento, logo com barulho. Mas há dois elementos perturbadores bem especiais no que toca a decibéis: os bombeiros, ali, oh pra eles, e uma passadeira, plantada bem em frente às janelas da Alfacinha.
Bombeiros implica tinóni, tinóni a horas variadas. Implica travagens a fundo de pacíficos automobilistas quando lá vai a carrinha disparada e às curvinhas pela rua fora.
E a passadeira… sim, qual o problema de ter uma passadeira por baixo da janela? Pois bem, o problema é que as passadeiras nesta terra estão equipadas de um semáforo. E o semáforo está equipado de um botão. E esse botão, desencadeia uma mensagem sonora para os invisuais saberem quando podem atravessar. E para quem estiver a pensar: mas haverá assim tantos cegos na Rue d’Alésia, a Alfacinha responde: obrigada pela deixa, não tens de quê, ora respondo que não, não há uma densidade extra-ordinária de cegos na Rue d’Alésia. Há é bandos de criancinhas histéricas e à solta aos domingos de manhã que adoram carregar no botão. Ficam depois a olhar para o semáforo, com sorrisos desdentados e aparvalhados, com ar de que-poderosa-que-sou. Da primeira vez, estava a Alfacinha em pleno vale de lençóis… Mas que barulho é este? «Rge… ton… Rue d’Alésia» Mas que raio é isto? Empreendeu naquilo a Alfacinha e ficou em vão a tentar adivinhar que frase era essa que a tirara do seu sono e que a impedia de voltar a mergulhar nele. Não percebo. Levantou-se a Alfacinha de mau humor. Acabou por descobrir que a senhora com uma voz irritantemente calma e educada ia repetindo «Rouge piétons, Rue d’Alésia. Rouge, piétons,…» até ser subitamente interrompida por uma campainha. Agora a Alfacinha diverte-se a fazer playback.
Som bem diferente foi aquele que chegou aos seus ouvidos moles e domingueiros, numa tarde em que lutava contra as suas pálpebras para se manter acordada e estudar. Estava então à sua mesa de trabalho quando… Estarei a ouvir coisas? Estarei a dormir ou a ficar louca? No meio de uma rua deserta, de prédios onde se adivinham pessoas pachorrentas a passear-se de chinelos, de lojas fechadas com grades, do silêncio mais molengo, surge uma musiquinha, um ritmozinho alegre e animado. Vai a Alfacinha à janela, à varanda, qual Carochinha. E lá em baixo, dois homenzinhos, agarrados a saxofones, divertidíssimos, a arrastar umas colunas de som num carrinho de supermercado. Lá iam os dois, sorridentes e dançantes, a dar música ao quarteirão. As janelas iam-se abrindo, uma a uma. Uma a uma iam aparecendo pessoas espantadas, que acabavam por dar à pantufa, e abanar as ancas de fininho.

Dentro da sua casinha, a Alfacinha já se habituou a alguns sons característicos: o plim do micro-ondas, o pchhh da água a ferver quando vem por fora, o barulho do autoclismo, dos canos, enfim, barulhos domésticos. A estes, juntam-se os barulhos vindos dos vizinhos. Um telefone a tocar, atendes ou não?, passos de um lado para o outro, cadeiras a arrastar, um aspirador a aspirar, máquinas de lavar louça ou roupa, de certeza que é para me fazer inveja, e, volta e meia, de noite… madeira a ranger, num ritmo regular, grr grr… grr grr… e depois, pára. Bem por cima da sala da Alfacinha. O soalho não perdoa. Nestas alturas, cora a Alfacinha. Timidamente. Pudicamente. Põe música, pensa noutra coisa, assobia para o ar, enquanto o barulhinho vai martelando ao longe.

Agora com licença, a Alfacinha vai andando: estão a tocar à campainha. Talvez seja o meu João Ratão!




3 comentários:

Anónimo disse...

Alfacinha, em Paris, não se consegue estar sózinho(a).

Boa sorte com o Jean Raton.

Sua admiradora, Paula

F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
F. disse...

O que era o som do soalho no andar de cima, afinal?
Poolteergeistes?